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Consciência Negra: ‘cacheadas’ discutem beleza e empoderamento

kelly
‘Cabelo de Bombril, bucha, vassoura, pixaim, toin-oin-oin’. Esses são alguns dos adjetivos ouvidos normalmente pelas pessoas que possuem cabelos crespos e cacheados. Não são poucas as mulheres que para evitar estes adjetivos, adotam as químicas de alisamento. Tratamentos normalmente caros e que danificam a estrutura dos cabelos: tudo para ‘ser aceita’ na sociedade.

Foi percebendo isso que a cabeleireira Kelly Cristina, junto com outras cacheadas resolveram se unir em uma espécie de ‘grupo de apoio’ para que as mulheres, e homens, que decidissem assumir a textura natural de seus cabelos pudessem se apoiar mutuamente e compartilhar dicas de como cuidar das madeixas.

“Revolta das Cacheadas”: cansadas das químicas e alisamentos, mulheres de cabelos crespos e cacheados se uniram para redefinir novos padrões de beleza.
Fabrícia, Kerolaine e Heloísa
Alice Souza e Bárbara Caetano

Os encontros que tiveram início através de um grupo de whats app e reuniões semanais, acabou ganhando corpo no projeto ‘Meu Cabelo, minha identidade’, apresentado ao público nesta terça-feira no auditório da SEE em Cruzeiro do Sul durante as atividades que reúnem a semana da consciência negra, o combate à violência contra a mulher e o dia internacional dos direitos humanos.

Jamile e Fernando, único homem do grupo

As mulheres do grupo apresentaram um jogral sobre Chica da Silva, personagem histórica de Minas Gerais, um dos símbolos da beleza da mulher negra, a jovem negra Bárbara Caetano cantou a música ‘Sarará Criolo’, imortalizada na voz de Elza Soares.

“Nosso projeto visa levar conhecimento às meninas, o que é uma forma de empoderamento. A gente fala sobre bulling, sobre preconceito, o que de certa forma ajuda essas meninas a se assumirem perante a sociedade”, explica Kelly Cristina, cabeleireira que especializou-se no cuidado ao cabelos crespos e cacheados.

Transição capilar e identidade

Dandara: da aceitação do cabelo, à descoberta de um continente correndo nas veias

Uma questão aparentemente banal, como aceitar os cabelos de modo natural, tem sido uma oportunidade para um mergulho nas questões de identidade e enfrentamento ao racismo e ao preconceito.

Dandara Santana, por exemplo, conta que ainda na infância teve seu cabelo alisado à força, com ferro de passar roupa, pois os adultos na qual estava sob responsabilidade, viam seus cabelos crespos como ‘feios’ e ‘sujos’.

Aos doze, adotou os alisamentos químicos: “na minha adolescência sofri muito preconceito por conta dos cabelos, o que hoje eu entendo como uma forma de racismo. Para muitos pode parecer uma brincadeira inocente, mas deixam marcas para toda a vida”, explica.

Depois do bulling, veio a busca por aceitação: “me vi incentivada a usar alisamento para poder me enquadrar nos padrões de beleza”.

Somente neste ano que Dandara resolveu abandonar os frequentes processos químicos e aceitar a textura natural.

A fase conhecida como ‘transição capilar’ envolve muita força de vontade e a pessoa pode se sentir abalada em sua auto-estima. Nesse sentido, o apoio mútuo através do ‘grupo das cacheadas’ é fundamental para atravessar essa fase.

Depois de se despedir de seus longos cabelos lisos, Dandara adotou o turbante: uma tradição africana que vem sendo redescoberta pela moda contemporânea.

“No começo era apenas aceitar o cabelo natural, mas depois acabei descobrindo um universo cultural riquíssimo, que fazem parte das minhas raízes, africanas e negras. Nesse sentido, a moda e a beleza têm um papel fundamental, pois trata-se de aceitação e identidade”, conclui.

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