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Morre Fidel Castro, um dos maiores líderes do século XX

Para a imprensa nacional, ele era apenas um ditador. A Folha de São Paulo, jornal que foi conivente com a ditadura militar no Brasil, não reservou palavras elogiosas, ou que ao menos fizessem jus a um dos maiores líderes que o mundo viu nascer no século XX.

Para o New York Times, maior jornal dos EUA, Fidel aparece nas suas manchetes como o ‘revolucionário cubano que desafiou os EUA’. Apesar de ser um líder controverso, em cujas costas pesam acusações que vão do homofóbico ao sanguinário, Fidel ajudou a moldar o mundo em que vivemos e a nossa compreensão sobre esse mundo. Não é a toa, que se te acham ‘socialista’, ‘vermelho’ ou ‘petralha’, te mandam logo: ‘Vai para Cuba’.

A própria ilha é ainda hoje, um poço de contradições: bela e nostálgica com seus veículos dos anos 50 ainda rodando. É também um local onde a população pouco se beneficia das comodidades do século XXI. Internet é coisa rara e apenas poucos tem acesso. Há também um fosso enorme que separa os habitantes da ilha, dos turistas que lá chegam para visitar o ‘último recanto do socialismo’. É como se Cuba tivesse se tornado, uma espécie de ‘parque temático’, um ‘jurassic park’ ideológico.

Após décadas de embargo econômico, a maioria de seus cidadãos não têm acesso ao consumo de por exemplo, um cidadão  da classe C da periferia de São Paulo.

Por outro lado, a ilha contra todas as previsões, exibe quase inexplicáveis índices na área de educação e saúde e estes mesmos cidadãos que não podem frequentar um shopping ou ter o carro do ano, ou acessar seus sites e blogs favoritos, têm assistidas as suas necessidades mais básicas. Não há ninguém morando nas ruas por exemplo. Não falta habitação. Não faltam escolas. Seus médicos e seu sistema de saúde são os melhores do mundo.

As contradições não param por aí, e poderiam ser citadas à exaustão, e embora não faltem ressalvas ao líder e ao regime por ele defendido, o mínimo de bom senso exigiria um olhar atencioso para as conquistas que Cuba obteve ao longo destas décadas, contra tudo e contra todos.

Pena que não vivemos em uma era de bom sensos. Se predominasse o bom senso, jamais teríamos um Donald Trump na presidência da maior nação do planeta. Não teríamos uma figura abjeta como Jair Bolsonaro com uma legião de fãs querendo alçá-lo à presidência. Certamente não veríamos também tantas ‘comemorações’ da morte de Fidel. Estranha era essa em que se ‘comemora’ uma morte.

Sou daqueles que acredita, ou acreditava, que o modelo socialista empregado em Cuba, é sobretudo um modelo ultrapassado e que Fidel é um simbolo desta era, ultrapassada. Contudo, o que vemos é algo ainda mais retrógrado e reacionário querendo ocupar esse lugar. No terreno vazio deixado pelas utopias supostamente ‘ultrapassadas’, são semeadas de modo insensato e inconsequente as piores distopias.

Assistimos atônitos ao crescimento do fascismo e de versões delirantes de nacionalismo, como a professada por Trumps e Bolsonaros. Na civilizada Europa recrudescem os ódios. O Brasil vive uma espécie de ressaca moral, um desencanto geral em que se descobre, não mais o país da cordialidade, mas um poço de ódios e ressentimentos, alimentados na ignorância de uma classe média para quem o vermelho da bandeira do Japão é apologia ao comunismo.

Não amigos, Fidel não é mais ultrapassado do que aqueles que movem seus ódios contra ele ‘comemorando’ a sua morte. Cuba, com seus carros dos anos cinquenta poderá daqui há alguns anos parecer moderna face ao mundo desumanizado que está sendo criado por nós mesmos, paradoxalmente, a partir do acesso a tecnologias em uma velocidade crescente, em uma era de comunicação e liberdade de expressão inimaginável. Talvez as contradições de Cuba e de Fidel pareçam finalmente pequenas, quando soubermos enxergar as contradições de que não fomos capazes de sanar em nosso próprio mundo.

 

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