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Falta de médicos e atendimento precário no Hospital do Guajará resultam em mortes . Diretor admite calamidade

Dona Sebastiana, 72 morreu à caminho do Hospital do Juruá. Sem atendimento no Hospital do Guajará a ambulância também não tinha oxigênio para o transporte de emergência.

Por três vezes, Sebastiana Lagos, 72, buscou o atendimento no Hospital João Barbosa. Segundo familiares a mesma vinha sofrendo de problemas respiratórios. Por duas vezes, dona Sebastiana retornou para casa sem atendimento. Na terceira, houve o agravamento de sua condição de saúde, e o hospital decidiu enviá-la para o Hospital Regional do Juruá, em Cruzeiro do Sul – AC. No caminho, o balão de oxigênio que deveria ser usado para manter a respiração da paciente durante a viagem estava vazio. A paciente morreu antes que pudesse chegar ao Hospital do Juruá. A causa da morte foi identificada como insuficiência respiratória.

Dona Sebastiana poderia ser apenas mais um número nos obituários oficiais, mas certamente não foi um caso isolado. O próprio diretor da unidade, Vanderson Cavalcante admitiu em nota à câmara de vereadores, que o hospital estaria atravessando um estado de calamidade.

Segundo a resposta do diretor, a unidade “encontra-se sem condições funcionais de realizar atendimentos” e cita o não-funcionamento do Raio X e Ultrassom.

A falta de médico, contudo, é o problema mais grave. Por essa razão muitos casos estão sendo encaminhados para Cruzeiro do Sul, e como se não bastasse, as ambulâncias também vem prestando um serviço limitado, como o que ocasionou a morte de Dona Sebastiana.

Ainda em nota à câmara de vereadores, o diretor afirma ainda que haveria dificuldade de encaminhamento à Cruzeiro do Sul por falta de combustível para as ambulâncias. O diretor alega atraso no repasse do governo do estado devido a questões burocráticas na SEFAZ. O administrador afirmou que o último repasse recebido teria sido o referente a agosto de 2016. Contudo, uma publicação no Diário Oficial do dia 24 de fevereiro indica o repasse de 46 mil reais para a unidade hospitalar do Guajará, na qualidade de ADIANTAMENTO.

De acordo com o diretor da unidade, Vanderson Cavalcante, a falta de médicos é um problema que se arrasta já há algum tempo. Teria começado com a saída do Doutor Esteban que pediu afastamento Em seguida, veio a aposentadoria do Doutor Correia. Depois o hospital teve a baixa do Dr. Laurence que trabalhava em regime temporário. Depois veio a licença do Dr. Marcelo, que tinha mais 40 horas e entrou em licença médica para tratamento. Em fevereiro a Dra. Suiane teve de passar por uma cirurgia, obrigando-a a uma ausência neste mês. A previsão é que a mesma retorne ao hospital para março. De acordo com o Diretor devido essas baixas todas o hospital ficou apenas com 3 médicos, 2 de 40 horas que são Dr. Vivanco e Dra. Suaine e o Dr. Jhony Pino que tem apenas 20 horas.

Os partos normais ainda são resolvidos no hospital, enquanto as cesarianas são encaminhadas para Cruzeiro. O Hospital João Barbosa não possui cirurgião obstetra ou pediátrico.

Em documento, diretor admite ‘calamidade’ no Hospital João Barbosa

O diretor afirmou estar aguardando um posicionamento do governo do estado.

Afirmou ainda que este recursos são para fins específicos para a manutenção da unidade hospitalar, como: alimentação, combustível e compra de materiais para reposição como por exemplo, medicação.

O fato é que a população do Guajará, não conta hoje com o serviço do hospital. Em caso de uma necessidade, terá de ser encaminhado para Cruzeiro do Sul e mesmo o translado tem limitações que podem resultar na morte do paciente no trajeto.

Raio X do hospital está sendo sucateado, alerta funcionário

Um funcionário da unidade afirmou que o raio x do hospital está sem funcionamento há mais de um ano pela falta de apenas dois capacitores que custariam, segundo ele, cerca de 700 reais. Segundo este funcionário, a administração do hospital ao invés de providenciar o reparo do aparelho, decidiu sucatear o equipamento, enviando peças e componentes ao Hospital do Juruá. O funcionário cita detalhadamente que químicos reagentes, fixadores e filmes estariam sendo enviados ao hospital do município de Cruzeiro do Sul e supõe que o mesmo ocorra a fim de ocultar da administração estadual que o aparelho esteja quebrado. O mesmo funcionário ainda fala que o atual administrador estaria ordenando a queima de medicamentos vencidos.

Secretário Municipal negou solidariedade ao hospital

Em resposta à solicitação da câmara, secretário municipal de saúde disse ‘não ser obrigado a prestar solidariedade’.

Diante do atual quadro, a câmara de vereadores chegou a pedir que a prefeitura pudesse ajudar no funcionamento do hospital estadual, como forma de garantir o acesso da população guajaraense a um direito básico: a saúde.

Ainda que o hospital seja estadual, o pedido da câmara a uma instância municipal é respaldado no artigo constitucional que prevê a saúde como um direito de todos e dever do estado (Art.196), bem como na Carta da República que prevê em seu Art. 30 como competência municipal prestar, com cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população.

Em resposta à solicitação da câmara, o secretário de saúde afirma que nenhum dos dispositivos legais que tratam do Sistema Único de Saúde fala em solidariedade.

Ainda em resposta à câmara, o secretário responsabiliza o Estado do Amazonas por serviços que, segundo ele, vem sendo custeados pelo município, como medicamentos fora do âmbito do atendimento básico (de competência municipal) e o TFD.

Falta descobrir para onde está indo e como está sendo gasto o dinheiro destinado à unidade. Com os repasses estaduais apontados no diário oficial no valor de 46 mil reais para o hospital, o problema volta às mãos do administrador da unidade. É ele quem de fato tem de explicar à população, por que Guajará hoje não conta de fato, com o atendimento de média complexidade que deveria estar sendo prestado pela unidade.

A argumentação do secretário de que não é obrigado por lei a exercer solidariedade soa desumana diante de casos concretos como o de Dona Sebastiana, uma vida que poderia ter sido salva caso houvesse a cooperação do município para com o estado.

Reportagem: Adalto Saraiva

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