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quinta-feira, março 28, 2024

Ler e escrever, o sonho que se tornou realidade para 60 mil pessoas no Acre

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Para muitas pessoas é simples e um movimento quase automático ler o que está escrito em um jornal, na fachada de um prédio ou na padaria da esquina da rua. Mas, para alguns cidadãos, não é. O simples fato de ler, em 2018, ainda é um privilégio, assim como era no século 18, embora não na mesma proporção.

No Acre, por exemplo, até meados de 2015, a taxa de analfabetismo chegava a 13,1% da população acima de 15 anos. Um panorama que só começou a mudar depois da criação do Programa de Alfabetização Quero Ler, iniciativa do governador Tião Viana para retirar em torno de 60 mil jovens, adultos e idosos da escuridão do analfabetismo em todo o estado.

Para conseguir lograr êxito, o ensino precisava chegar até aquelas pessoas que não tiveram a oportunidade de frequentar um banco de escola na idade certa. E assim, rapidamente, o programa chegou aos 22 municípios do Estado. Turmas foram criadas em comunidades urbanas, rurais, de difícil acesso e também ribeirinhas.

Para a professora Augusta Rosas, coordenadora do programa, o Quero Ler foi uma experiência de vida nova para o povo acreano, porque na prática foi uma oportunidade que o governo do Estado deu para os adultos aprenderem a também dominar o mundo da leitura e da escrita.

“No Acre, hoje, nós podemos garantir com os resultados do Quero Ler, que todas as pessoas, da criança ao idoso, tiveram a oportunidade de ter acesso à educação, independente da localidade onde eles moram”, destaca.

Acreanos dos 22 municípios do Estado tiveram a oportunidade de estudar pelo Quero Ler (Foto: Arquivo Secom)

A turma da professora Nilza Carvalho, no bairro Cadeia Velha, em Rio Branco, é um exemplo. A classe é formada em sua maioria por alunos vindos da zona rural que só puderam aprender a ler o mundo através das letras depois de ter migrado para a cidade e conhecido o Quero Ler.

Concretizando Sonhos

É o caso da dona de casa Francisca Almeida, de 65 anos. “Quando eu era jovem, não podia estudar, porque meus pais moravam no seringal, nos centros [floresta], margens dos rios, e não tinha escola. Aí não tinha como ter ensinamento”, conta.

Depois que cresceu, Francisca conta que vieram o casamento, os filhos, e o sonho de aprender a ler foi mais uma vez adiado. “Há uns seis anos eu tive a oportunidade porque vim para a cidade, mas achava que não podia mais aprender e por isso não estudava”, conta.

A mudança de mentalidade só veio depois que ela conheceu o Quero Ler, já que as aulas eram no seu bairro e na igreja da qual participa. “Quando Deus tem um plano e a gente tem um sonho, a gente consegue”, diz, referindo-se ao fato de ter tido a oportunidade de estudar mesmo em idade avançada.

Francisca Almeida entrou em uma sala de aula pela primeira vez com 65 anos de idade (Foto: Pedro Devani/Secom)

“Hoje, estudando, estou realizando o meu sonho. Eu queria aprender a ler, porque eu queria ler a bíblia e levar a Palavra de Deus para quem não conhece”, declara.

E com brilhos nos olhos a ex-agricultora conta que está vendo o mundo de outra maneira: “Hoje eu estou entrando no mundo da leitura e conseguindo enxergar aquilo que não conseguia”, ressalta, entusiasmada.

Mesma sensação compartilhada por Roberto da Silva, 21 anos mais novo que Francisca, mas que também não teve a oportunidade de estudar na juventude. “Nasci no centro de seringal, como todos nós aqui. E naquele tempo no seringal era tudo difícil”, lembra.

Pelas dificuldades e por precisar também trabalhar desde cedo, Roberto conta que conhecia as letras, mas não sabia formar as sílabas, algo que só veio aprender aos 44 anos de idade.

A turma da professora Nilza funcionava no anexo da igreja Presbiteriana Renovada (Foto: Pedro Devani/Secom)

“Quando eu comecei a ler, a descobrir as palavras, me emocionei muitas vezes, porque você descobre algo muito especial. Quando a gente aprende a ler, passa a ver o mundo de outra forma. Você vai num banco, você sabe se identificar, sabe ler uma placa, direita – esquerda”, enfatiza.

Ao longo do processo, ele conta que descobriu que se tivesse tido a oportunidade de estudar teria um futuro diferente. “O mais impressionante foi que eu desenvolvi e descobri coisas melhores. Que eu poderia já estar formado profissionalmente. Poderia ser um mestre de obras, um engenheiro”, diz.

E como todos na turma, ele é otimista e conta que deseja continuar com os estudos e vislumbra crescimento. “Já fui gerente, encarregado, e tudo isso travou na minha vida, porque eu não tinha estudo, mas ainda vou chegar lá, porque na presença de Deus nunca é tarde para você começar”, salienta.

A professora de Francisca e de Roberto diz que o programa mudou a realidade dos moradores do bairro. “O Quero Ler foi uma luz na vida das pessoas e por isso tem que continuar, porque tem muita gente que só quer aprender a ler e escrever para poder ter uma vida melhor”, explica.

“O Quero Ler foi uma luz na vida das pessoas”, diz a professora (Foto: Pedro Devani/Secom)

Alunos como Francisca e Roberto retratam o perfil da maioria dos estudantes do Quero Ler, que em grande parte eram ex-seringueiros, ribeirinhos e extrativistas. Eles também fazem parte da estatística dos 60 mil alunos de diferentes regiões que passaram pelo programa e tiveram acesso à alfabetização.

As aulas da classe da professora Nilza se encerraram no último dia 30, conforme o calendário escolar da capital proposto pela Secretaria de Estado de Educação e Esporte (SEE), pasta responsável pelo projeto. No próximo dia 14 será o fechamento do restante das turmas de 19 municípios.

Redução do analfabetismo

Com esses atendimentos, a taxa de analfabetismo, que em 2015 estava em torno de 13,1%, poderá reduzir a 4%, o que, de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), tornará o Acre território livre de analfabetismo. A redução só será aferida no Censo Demográfico de 2020.

“Não dá para saber se conseguimos a redução esperada, porque é o censo que dirá. Mas sabemos e podemos dizer que em 80% dos municípios não tivemos mais como montar turmas nesta última fase, porque não havia mais demanda. Isso é um reflexo de que conseguimos atender quem precisava”, explica Evaldo Viana, secretário Adjunto de Alfabetização.

Pessoas dos 22 municípios do Acre passaram pelo programa (Foto: Arquivo Secom)

O secretário explica ainda que o Quero Ler mudou a história do ensino no Acre. “O governo cumpriu o que propôs fazer pela população acreana, e isso, sem dúvida, se configura como um dos maiores feitos na área educacional da região”, enfatiza Evaldo Viana.

E que isto, segundo Viana representou uma renovação na vida dos nortistas, porque cada aluno tinha sua expectativa. “Uns tinham os desejos de ler a Bíblia, outros de escrever o nome, outros tinham ainda o desejo de ler as placas dos ônibus. Então, o Quero Ler veio atender às necessidades individuais dessas pessoas.”

Outros alunos, ele explica, “tinham expectativas maiores. Centenas dos nossos alunos entraram porque sonhavam e queriam tirar a carteira de habilitação”.

Quero Ler Mais

Viana explica que a partir de agora os alunos que concluíram essa primeira etapa de alfabetização estão aptos a seguir os estudos, por isso é necessário que o programa continue, só que agora em módulos avançados. A ideia, segundo o gestor, é criar o Quero Ler Mais, que seria a fase II do programa.

“Cumprimos a meta inicial do governo, que era atender 60 mil pessoas. Agora, esses estudantes podem seguir para o módulo II, que seria a continuação dos estudos, como acontece no ensino regular”, explica.

Texto: Mágila Campos | Fotos: Secom || Diagramação de Adaildo Neto

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