Quem nasceu ou já andou por varadouros dos seringais da Amazônia por certo já ouviu e jamais se esqueceu daquele som: é tão forte que pode ser ouvido em longas distâncias, ajudado pelo vento e pelo silêncio inquietante e ensurdecedor da Natureza, e lembra, quando comparado aos barulhos da cidade, ao som metálico de um ferreiro batendo ferro. Ou de uma britadeira em pleno funcionamento.
No entanto, o que parece uma oficina na floresta nada mais é do que o som da Araponga-da-Amazônia, de nome científico Procnias albus, uma ave comum das matas brasileiras no Norte do país, no seu esforço para atrair as fêmeas para o acasalamento. O macho emite um canto tão alto que fica até difícil entender como a parceira consegue apreciá-lo sem acabar ficando surda, disse o ornitólogo Mario Cohn-Haft, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), ao divulgar um estudo em que aponta a ave amazônica como a mais barulhenta do mundo, cujo canto, medido por especialistas, chega a incríveis chega a 125 decibéis, tão forte quanto uma britadeira em funcionamento. O pior é que as fêmeas gostam do barulho e tendem a se acasalar com o macho que consegue emitir o som mais alto.
A descoberta foi publicada pela científica “Current Biologyao”, dos Estados Unidos, ao informar que o pesquisador, em 2017, fazia uma expedição pela Serra do Apiaú, em Roraima, quando ouviu o som pela primeira vez. Ele se espantou. “Os músculos abdominais são extraordinariamente espessos, fortes. O bicho é um ‘tanquinho”, disse o pesquisador em declarações reproduzidas pelo jornal “Estado de São Paulo”, que reproduziu a reportagem da revista norte-americana.
De acordo com o pesquisador, isso não é comum em pássaros. “Os músculos são fininhos. Em geral, as adaptações são para o voo. Tudo é minimalista em pássaro. Mas essa araponga tem abdome espesso e forte. E suas costelas também são grossas. Pensei que isso só poderia ser uma adaptação para conseguir fazer esse barulho doido que se escuta a 2 km de distância”, disse.
Impressionado com o que ouvira, Mario Cohn-Haft procurou o pesquisador Jeffrey Podos, da Universidade de Massachusetts, em Amherst (EUA), especialista em bioacústica, que investiga justamente adaptações evolutivas que favoreceram os cantos das aves. No início deste ano, a dupla voltou à região amazônica, com aparelhos de alta tecnologia, para medir a amplitude do canto (os decibéis) e a pressão sonora.
Os pesquisadores compararam o canto da araponga macho com o de uma outra ave já descrito cientificamente e que se imaginava ser o mais alto. Trata-se do capitão-da-mata, ou cricrió (Lipaugus vociferans), considerado a voz mais emblemática da Floresta Amazônica. O volume do som dele havia sido quantificado, mas só pela experiência em campo os cientistas já imaginavam que a araponga ganharia.
Quando fizeram as medidas das duas espécies, eles constataram que as arapongas são cerca de nove decibéis mais barulhentas que os cricriós, mas em termos da pressão sonora têm quase o triplo da exercida por eles. “Na prática, é como se fosse três vezes mais forte”, resume Cohn-Haft. Segundo ele, é um som mais alto que o dos macacos bugios. “É mais alto que uma britadeira e regula mais ou menos com um bate-estaca.”
Quanto mais forte, porém, mais curto é o som. Os pesquisadores observaram que as arapongas machos emitem dois cantos: um mais comprido e um menor. O primeiro é seu canto mais comum, mais longo e lento e menos forte, e o segundo, mais raro, é o mais alto já medido entre aves.
Os cantos tanto servem para indicar a presença do cantor – onde ele está – quanto definem a identidade do bicho. Dentro da mesma espécie, os animais conseguem se distinguir individualmente pelo canto. E servem, especialmente, para atrair as fêmeas. E, por incrível que pareça, elas gostam mesmo é dos gritos mais fortes. “A fêmea pousa no poleiro onde o macho está ou perto dele nesse processo de cortejar e recebe o grito bem na cara”, diz Cohn-Haft.
“Normalmente as vocalizações mais fortes são para comunicar a distância. Quando o receptor está mais perto, tendem a ser mais maneiradas. Mas essas fêmeas adoram uma gritaria. Elas recebem um volume de som insuportável à queima-roupa”, contou.
