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quarta-feira, abril 24, 2024

“The Crown” e a lição sobre as escolhas lexicais

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A série “The Crown”, produção originária da Netflix, tem chamado muito a atenção dos espectadores; seja pela superprodução ou pelo, aparente, caráter bibliográfico do drama escrito por Peter Morgan. A série apresenta alguns eventos ocorridos durante o reinado da Rainha Elizabeth II: desde sua ascensão ao trono, após a morte do pai, Rei Jorge VI, do Reino Unido; além de dramas políticos e pessoais, como os compromissos da coroa e a conturbada relação familiar.

Em novembro de 2020, a Netflix lançou a quarta temporada da série. Assim como as demais temporadas, essa última foi muito aguardada pelos espectadores; especialmente, pela aparição de Diana, Princesa de Gales, interpretada por Emma Corrin. Não é surpresa o carinho do público – não só britânico, mas de todo o mundo por Diana; proclamada “Princesa do Povo” por sua filantropia (amor à humanidade).

Apesar de Diana ser uma personagem ainda muito enigmática para os que se dedicam a investigar fatos sobre a Família Real; por hora, desejo falar sobre outra personalidade representada na última temporada de “The Crown”: Margaret Thather, primeira-ministra do Reino Unido por onze anos. Sua postura quanto às questões de Estado para reverter a economia do Reino Unido, lhe rendera a alcunha “Dama de Ferro”.

É provável que o apelido atribuído à Thather pelo jornalista soviético Yuri Gavrílov faça mais sentido quando vemos no episódio oito, da quarta temporada, o embate entre a primeira-ministra e a Comunidade Britânica das Nações quanto a substituição de uma palavra na composição da declaração que seria enviada para o governo sul-africano: sanções. Margaret se recusa a utilizar a palavra, criando um clima de expectativas sobre qual unidade lexical poderia substituir “sanções” sem prejuízo de significado quanto à proposta da Comunidade das Nações. A busca pela palavra gerou um clima de tensão, a ponto da rainha afirmar que àquela situação de Estado não necessitava de políticos, mas de um escritor.

O fato ilustra o valor que as palavras exercem nos discursos, assim como a ideia de que não há sinônimos-perfeitos; ou seja, uma palavra não pode ser substituída por outra sem alteração quanto ao significado. Sanções, restrições, protocolos, medidas, propósitos, conveniências, de fato, não são sinônimos de “sinais”, escolhida por Thather após análise criteriosa do valor semântico da palavra; mas, considerando o contexto, foi àquela que melhor se aproximava das intenções políticas da “Dama de Ferro”, reduzindo a possibilidade de interpretações indevidas por parte do governo sul-africano, que pudesse comprometer os interesses da primeira-ministra.

A lição de Margaret Thather quanto ao zelo na seleção da palavra que deveria compor a declaração, não pode passar de forma despercebida; pois, além de representar a postura adequada para um representante de Governo diante de uma situação, essencialmente, política que requer seriedade e respeito, nos mostra o quanto somos responsáveis pelos nossos discursos e o quão importante e representativa são as nossas escolhas lexicais; seja no círculo familiar, no trato com os pais, cônjuges, filhos; ou no círculo social, nos ambientes de trabalho, igreja, lazer; até mesmo nas redes sociais, naquilo que postamos, compartilhamos e curtimos.

Por isso, devemos sempre ter muito cuidado com as palavras que escolhemos usar, pois elas podem exercer diferentes efeitos aos nossos leitores/ouvintes: encorajamento, alegria, valorização; como também, aborrecimento, tristeza, humilhação, preconceito etc. Enquanto cidadãos, temos compromissos com nossa comunidade. Não poderemos combater as desigualdades promovendo e apoiando discursos preconceituosos, desrespeitadores e/ou de ódio. É preciso que compreendamos o quão significativas são as palavras; por isso, elas não podem ser substituídas de forma aleatória, sem uma reflexão prévia sobre os efeitos que poderão gerar nos discursos.

A palavra é um instrumento precioso e ao mesmo tempo perigo, que está tanto a serviço da informação, quanto da desinformação. Nesse caso, cabe ao leitor, promover práticas que permitam identificar as diferentes vozes que perpassam os discursos. O hábito da leitura em fontes respeitáveis sempre é uma boa alternativa para o necessário exercício da informação.

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