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sexta-feira, março 29, 2024

Semana do Servidor: conheça a história de Alcides Oliveira, O Bom Acreano, trabalhador do Depasa

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Alcides é casado, pai de quatro filhos, Roni, Alcimar, Iara e Alcharde. Cego desde os 12 anos, conseguiu se formar em Teologia e Pedagogia.  Professor do ensino especial da rede estadual de Educação do Acre, também foi aprovado em concurso público para trabalhar como telefonista do Saerb. No ano de 2011,  após a criação do Depasa, passou a integrar a equipe de profissionais da autarquia estadual. Torcedor do Atlético, apaixonado por futebol, ensinou o esporte para pessoas com deficiência visual. Como integrante do time B2, conquistou títulos e medalhas. Por estar sempre disposto a auxiliar o próximo, muitos o chamam de O Bom Acreano.  

Estávamos na metade do turno vespertino, quando nossa equipe de reportagem foi à sala de Telefonia, no 1º andar da sede do Depasa, no centro de Rio Branco, com a missão de registrar o relato e elaborar o perfil do trabalhador indicado pelos colegas para ser destaque nesta Semana do Servidor.

Sobre a mesa, uma caixinha de brigadeiros chamou minha atenção. Perguntamos ao entrevistado se aquele era seu doce favorito. “Não, prefiro salgados, estes (os brigadeiros) comprei para minhas netinhas”, respondeu.  Esclarecida a pergunta quebra-gelo, iniciamos a conversa que revelaria uma das histórias mais comoventes que já ouvimos ouvimos.

Alcides, 66 anos, nasceu em Sena Madureira, no Seringal Providência, na região do Rio Purus, distante mais de 140 km da capital, Rio Branco.  Filho de um rio-grandense e uma cearense, que vieram para o Acre durante a Segunda Guerra, em 1942. Com o pai, Alcides aprendeu a cortar seringa, atividade que exerceu até os 12 anos quando, por causa de um acidente doméstico, perdeu a visão. “Fui seringueiro, caçador, o último bicho que matei foi uma anta”, recorda.

Tendo perdido praticamente toda a visão, viajou para Rio Branco em busca de tratamento. “Vim para me tratar pelo Projeto Rondom. Era um momento em que não tinha muitos médicos aqui. De oftalmologista havia apenas um, que estava viajando, fazendo um curso fora, e aí, não havia atendimento pra mim”, lembra.

Foi, então, que os três médicos que o examinaram em Rio Branco, comovidos com a situação, sugeriram a viagem para Belo Horizonte, em Minas Gerais. O Bom Acreano, aceitou.

Mesmo em grande centro, o tratamento não foi bem sucedido, e Alcides teve que começar a aprender a conviver com a cegueira.  Junto com a notícia de que a cura para aquela enfermidade já não era possível, os médicos apresentaram a Alcides a possibilidade de estudar no São Rafael, uma escola especializada no ensino de cegos. “Eu tinha 12 anos, mas já era bem maduro e pensei, o que um cego vai fazer no meio da floresta? Cortar seringa, como? O que eu não queria era dar prejuízo à minha família, dar trabalho a meus pais, então decidi ficar para estudar”, conta ele.

Naquele momento, iniciou-se a carreira acadêmica e profissional do seu Alcides, como é chamado por alguns colegas do Depasa. A deficiência não foi limitação para dar os primeiros passos rumo ao saneamento. Em Minas, já aos 17 anos,  começou a trabalhar como montador de material hidráulico. Fazia torneiras, registros, descarga de privada.  “Depois de cursar o fundamental, mesmo cego, fiz um curso no Senai, consegui passar e ser contratado por uma empresa mineira, Metalúrgica Triângulo Sociedade Anônima (Metrila)”, diz.

Nove anos depois, com outro problema de saúde, desta vez uma doença que afetou os pulmões, realizou novo tratamento,  mas por indicação médica, não poderia mais trabalhar na metalúrgica. Foi então que  retornou a Rio Branco para iniciar um  trabalho com pessoas com deficiência. No ano 1988 ingressou na rede pública de educação do Estado do Acre como professor do ensino especial.

E foi ministrando um curso sobre Como Lidar com Uma Pessoa Com Deficiência que conheceu a atual esposa, Iracema. “Ela era uma das participantes, ficou interessada e logo após o encerramento do curso a gente acabou se envolvendo”, conta Alcides. Da união com Iracema, nasceu Iara e Alcharde.

Já como servidor da Educação do Acre, teve oportunidade de realizar o sonho de estudar Teologia e Pedagogia. Em 1998, prestou concurso para telefonista do Serviço de Água e Esgoto de Rio Branco (Saerb).  Mais tarde, em 2011, quando foi criado o Departamento Estadual de Água e Saneamento, passou a integrar a equipe do Depasa.

No atendimento ao telefone, por vezes precisa ser  o psicólogo-ouvidor. “ Só que eu tiro de letra. Quando a pessoa vem brava, atendo com educação, e no final da conversa, o cliente pede até desculpa”, conta bem-humorado.

Atualmente, morando com a esposa e dois dos quatro filhos, Iara e Alcharde, divide a rotina entre o trabalho na Educação e a telefonia no Depasa. Se gosta do que faz? Ele diz que sim: “ Uma das coisas que mais me alegram é resolver o que os outros precisam”, revela.

Para seu Alcides, aposentadoria será apenas uma segurança a mais. “Parado não quero ficar”, enfatiza o acreano, filho de Sena Madureira, que, quando precisou, em Minas, trabalhou até como ambulante.

Sobre a relação com os filhos, Alcides diz que há um sentimento de admiração que os une ainda mais. “Eles me admiram muito, porque uma qualidade que eu tenho é que eu nunca desisto, sou persistente e acredito que é possível chegar lá”, enfatiza.

Emocionado, ele lembra do tempo, logo após o acidente, em que  chegou apensar em desistir da vida.  “Foi Deus que tirou esse pensamento da minha cabeça. Fui salvo por um senhor que estava internado no Hospital das Clínicas”, revela.

Seringueiro, sem nunca ter estudado até os 12 anos de idade e hoje, ainda  sem enxergar, mas com três profissões, concursado, com dois empregos, Alcides é mesmo exemplo de superação, e é com esse sentimento que nos fala sobre as conquistas que ainda obteve como professor-atleta.  Torcedor do Galo, apaixonado por futebol,  ele dedicou parte da vida a ensinar o esporte a pessoas cegas. Hoje coleciona títulos e medalhas. Pelo Time B2 ( formado por pessoas de baixa visão) foi bi-campeão do Brasil de futebol de cego, tricampeão pelo Acre, e bi-campeão por Minas Gerais.

Admirado e estimado também no ambiente do trabalho, seu Alcides costuma arrancar boas  risadas dos colegas quando diz que, no Depasa, única coisa que  o aborrece, às vezes, “são uns flamenguistas chatos, que insistem em me alugar”, diz ele sorrindo.  “Mas não abandono o Galo por nada”, avisa com riso maroto no rosto.

Numa fração de segundo, semblante sério, Alcides fala sobre a gratidão pela vida: “Hoje fico pensando naqueles que tirei das ruas, nas pessoas que conheci já sem esperança, seringueiros cegos como eu, que também ajudei tirar da mata para poder estudar. Entre eles, hoje temos advogados, promotor federal. Então, essas pessoas a quem pude mostrar que eles também eram capazes, me dão alegria.”

Tantas passagens aqui reveladas são uma pequena amostra de vários outros momentos de lutas e conquistas que o ‘Bom acreano’ já reuniu em um livro, em braile,  que ele pretende lançar um dia, depois que se aposentar.

E diante de uma  história tão bonita de fé e superação, também emocionada, arrisquei perguntar: “ Mas aquele acidente, prejudicou quanto da sua visão? O senhor enxerga alguma coisa? “. Com a simpatia e o mesmo sorriso, ele respondeu rápido:  “ Nada, perdi foi tudo mesmo. Só enxergo moça bonita”.

– “Oie, tá me vendo então, seu Alcides?” Brinquei, e nos despedimos para dar continuidade ao trabalho. Ele, na telefonia. Eu, na Comunicação do Depasa.

  • Fonte: Agência de Notícias do Acre.
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