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sexta-feira, abril 26, 2024

Só 26% das crianças atendidas pelo SUS fazem 3 refeições por dia

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Somente 1 em cada 4 crianças atendidas nos serviços de Atenção Básica realiza, no mínimo, as três principais refeições do dia — café da manhã, almoço e jantar. É o que mostra a pesquisa feita pelo Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) do Ministério da Saúde, obtida pela Globonews por meio da Lei de Acesso à Informação.

Em todo o Brasil, entre janeiro e outubro de 2021, apenas 26% das crianças atendidas pelo SUS, com idades entre 2 e 9 anos, realizavam pelo menos essas três principais refeições.

No ano passado, o índice foi ainda pior: apenas 21% das famílias entrevistadas pelo SISVAN disseram que as crianças consumiam ao menos três refeições por dia — ou seja, somente 1 em cada 5 crianças.

O SISVAN é uma ferramenta de monitoramento da situação alimentar e nutricional da população atendida nos serviços de Atenção Básica no Brasil. Ou seja, monitora as famílias atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

De acordo com Naércio Menezes Filho, membro do Comitê Científico do Núcleo Ciência pela Infância (NCPI), as crianças mais atingidas pela fome são especialmente as das famílias mais pobres, afetadas pela perda de emprego e, consequentemente, de renda durante a pandemia. “Geralmente, tendem a ser negras ou pardas e a morar nas regiões Norte e Nordeste”, explica.

O índice começou a retroceder há cerca de sete anos. Em 2015, 76% dessas crianças realizavam pelo menos três refeições por dia. No ano seguinte, o número caiu para 42%. Em 2019, já eram apenas 28% das crianças que conseguiam fazer as três refeições.

Josely e Ronald Ruiz são venezuelanos e moram no Brasil há dois anos. Eles têm três filhos, com idades de 4, 2 e 1 ano. Por oito meses, moraram em um abrigo na capital paulista.

“As três refeições por dia era difícil conseguir, e sem trabalho muito mais. A gente comia uma, às vezes duas vezes no dia”, conta Josely, que trabalhava com contabilidade na Venezuela, mas está desempregada há mais de dois anos.

Na semana passada, com a ajuda de uma líder comunitária, a família conseguiu uma casa na comunidade Jardim Ibirapuera, na Zona Sul de São Paulo. A geladeira, por enquanto, tem apenas água, quatro ovos, cinco batatas e um pedaço de frango congelado.

Josely e Ronald Ruiz são venezuelanos e moram no Brasil há dois anos. — Foto: Luís Paes/GloboNews

Menezes Filho, que também é coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, explica que, até a década de 1980, a fome das crianças era bastante preocupante no país. Mas, por meio de políticas públicas, veio melhorando até 2010.

“O índice de de crianças que consomem ao menos três refeições no dia vem caindo porque tivemos uma recessão muito grande a partir de 2015. Ela segue hoje em dia e foi agravada pela pandemia. Ou seja, a pandemia se sobrepôs a uma situação econômica que já vinha acontecendo”, afirma o economista.

Consequências para o desenvolvimento das crianças

A presidente do departamento de nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Virgínia Weffort, explica que a falta de alimentação e a alimentação inadequada afetam o desenvolvimento infantil.

“Até os 5 anos existe a programação metabólica, que é programar o seu organismo para evitar doenças. E, dos 5 aos 9 anos de idade, continua sendo importante para o crescimento da criança”, afirma.

O levantamento do SISVAN também analisa a qualidade da alimentação. Em 2021, a quantidade de crianças que ingere alimentos ultraprocessados (85%) é superior à quantidade que consome frutas (77%) e verduras (66%), por exemplo. Esses indicadores se mantiveram estáveis nos últimos anos — ou seja, a ingestão de guloseimas e bebidas açucaradas, por exemplo, vem sendo, ano após ano, sempre maior que a de alimentos naturais.

Eloísa Cristina de Oliveira Silva também é moradora da comunidade do Jardim Ibirapuera. Trabalhava como diarista, mas está desempregada há três meses. Ela vive com o filho, de 10 anos, e os netos, de 6 e 3.

“A gente acaba comprando uma coisa mais baratinha e deixa de dar a fruta, que é o correto. Acaba comprando uma bolacha”, afirma. No almoço, Cristina também não consegue preparar uma refeição com todos os nutrientes necessários. “Tá sendo arroz, feijão e ovo. Às vezes uma linguiça, uma salsicha. É o que a gente tem”, conta.

Karina Oliveira tem dois filhos, de 6 e 8 anos, e também está desempregada. A única fonte de renda da casa é o marido, que não tem emprego fixo. “Ultimamente tá sendo mais o básico mesmo. Uma fruta, quando ele pega um dinheiro a gente vai e compra. Mas não é sempre, né, porque tá tudo caro”, diz a moradora da comunidade Jardim Ibirapuera.

Karina Oliveira e os dois filhos, de 6 e 8 anos. — Foto: Luís Paes| GloboNews

A presidente da SBP alerta para o consumo de ultraprocessados.

“Esses alimentos têm excesso de óleo, de açúcar e de sal. A criança está sendo programada para ser obesa, hipertensa, diabética”, diz ela. “Mas, quando a gente prescreve para a criança comer frutas, verduras e legumes, a família vai ao varejão e o dinheiro do mês inteiro fica ali pra comida de uma semana. Nos pacotinhos, o dinheiro rende mais.

Outra consequência preocupante da desnutrição infantil é a anemia. “Ela lesa os neurônios e causa dificuldade de aprendizado. E é uma alteração para sempre. Não tem reversão do coeficiente intelectual dessa criança que teve anemia”, explica a nutróloga.

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