“É necessário sempre acreditar que o sonho é possível. Que o céu é o limite e você, truta, é imbatível”. O trecho é de uma das músicas do grupo de rap preferido de Gabriel Knoxx, de 24 anos. “A vida é desafio”, do grupo Racionais, mostra a dura realidade de quem precisa resistir para existir.
E foi assim que o rapper acreano – que um dia, ainda com seis anos, sonhou em viver da arte enquanto ouvia o DVD dos Racionais em uma TV de tubo e fingia que o controle de TV era o microfone – encontrou na arte sua força.
Filho de empregada doméstica e criado por três mulheres na periferia de Rio Branco, o jovem saiu de casa ainda aos 14 anos e encontrou na arte uma forma de ganha pão – nem sempre foi fácil, é claro, viver da arte independente, é resistir e persistir.
Foi um longo caminho – desde dormir na rua, não ter o que comer – até ser protagonista de um filme 100% acreano que foi exibido na Suécia. A vida do rapper parece roteiro de filme e foi sem experiência nenhuma como ator, que ele encarou o teste para o filme e conseguiu o papel de Rivelino no longa “Noites Alienígenas”, de roteiro e direção de Sérgio de Carvalho.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2022/s/a/HMOM6ATAyIqyZhP7wFaQ/capturar.jpg)
Segundo diretor, a atuação do rapper foi ‘arrebatadora’ — Foto: Reprodução/Saci Filmes
‘Foi uma conquista’
Até fazer o teste para o filme, Knoxx fazia eventos comunitários e se apresentava com raps autorais.
“Sempre fiz evento comunitário, passei a vida tentando ajudar os outros, porque sempre soube o que é fome, o que é passar necessidade. Conseguia sacolões para doar na Rosalinda e isso foi me aproximando cada vez mais da cultura, que foi o que me fez ser o que sou hoje. Fiquei sabendo que ia ter um filme, ia rolar o filme, que estavam convidando jovens a participar da seleção”, conta.
E a oportunidade apareceu justamente quando ele mais precisava. Ele estava ficando na casa de um amigo e passando por muita dificuldade.
“O diretor me conhecia e viu algum potencial em mim, pagaram até Uber para eu ir fazer o teste porque não tinha dinheiro nem pra ir. Aí fui pro teste, lá tinha mais de 10 a 20 atores de verdade e jamais pensei que ia conseguir, mas fui lá, dei o meu melhor e voltei pra casa. Passou um tempo, estava em casa, com aquela dificuldade, morava na casa de um amigo meu, passando muita dificuldade, meio que sem ter o que comer, quando recebi a ligação dizendo que eu havia ganhado o papel do Rivelino, eu nem acreditei. Foi uma conquista muito grande”, relembra.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2022/S/D/rwTdNeR82Z5VNq5l1eEQ/whatsapp-image-2022-02-09-at-10.41.36-1-.jpeg)
Jovem diz que encontrou na arte uma forma de conseguir — Foto: Arquivo pessoal
‘Arrebatador’
No longa, que é inspirado em um livro do diretor, Rivelino (Knoxx) é um jovem rapper e grafiteiro que deixa sua arte em forma de nave espacial pelos muros da cidade; Paulo (Adanilo), um jovem indígena, dependente químico, que é assombrado pela ancestralidade do seu povo; e Sandra (Gleici), uma jovem negra e empoderada, mãe do filho de Paulo, que tem no hip-hop um refúgio e espaço de resistência.
Para o diretor Sérgio de Carvalho, a atuação de Knoxx no filme foi arrebatadora e ele conseguiu personificar o personagem em sua essência.
“Fizemos um teste de elenco, amplo, aberto na produtora, antes do filme, foi muito legal, vieram muitas pessoas do teatro, da cultura urbana, porque é a atmosfera que o filme traz e quando ele fez o teste foi arrebatador. Trazia muito do que se esperava do Rivelino, uma certa força da juventude artística e uma fragilidade perante à vida. O Gabriel tinha esses elementos de uma forma muito bonita e harmônica e o teste dele foi maravilhoso. Surpreendeu todo mundo e na hora que ele fez o teste eu compreendi que tinha achado o personagem”, destaca.
Realidade excluída
O filme mostra uma realidade pouco debatida no estado: a vida nas periferias. A história de Rivelino vai de encontro com a do rapper, que nasceu e viveu na periferia de Rio Branco e encontrou na arte refúgio.
“Eu venho de uma realidade que é bem excluída, então a oportunidade pra gente é estudar muito para virar caixa de supermercado ou, se não estudar, vira traficante, ladrão. Foi muito difícil tentar me manter forte e acreditar que eu podia fazer diferente, burlar o sistema e conseguir chegar em algum canto”, conta.
O filme ainda não tem data para ser exibido no Acre. Por enquanto, a estreia foi no Festival de Cinema de Gotemburgo, na Suécia, de 30 de janeiro a 6 de fevereiro. O festival foi na cidade sueca de Goteborg.
Para o ator, esse alcance do filme é considerado um grito da arte independente no estado e também uma forma de chamar atenção da necessidade do poder público incentivar a cultura no estado.
“A gente está levando as nossas riquezas, nossa essência para o mundo, mostrando que o Acre é potência, não só resistência para se manter no mapa e aqui tem atores, cantores e artistas de diversas áreas que precisam ser vistos. Com esse trabalho tendo essa visibilidade, talvez o Estado possa ceder mais oportunidades para continuar se desenvolvendo nessa forma, ajudar a encontrar mais artistas, assim como eu fui encontrado”, pontua.
Fonte: G1 Acre

