28.8 C
Juruá
quarta-feira, abril 24, 2024

“O Brasil está barato”, diz Gilson Finkelsztain, presidente da bolsa

Por

- Publicidade -

Quando assumiu o comando da B3, a maior bolsa de valores da América Latina, sediada em São Paulo, Gilson Finkelsztain encontrou um mercado estagnado em torno dos 500 000 investidores individuais. Qualquer variação de 50 000 pessoas nesse contingente era motivo de comemoração. Dois anos depois, em 2019, o processo de amadurecimento econômico do país associado aos juros em baixa provocou uma mudança radical nesse cenário, e a B3 atingiu a marca de 1 milhão de investidores locais. Desde então, a curva se acentuou. Nas últimas semanas, a B3 atingiu os 5 milhões de CPFs cadastrados. Mas a inflação em descontrole e a mudança na política de juros pelo Banco Central a partir de setembro do ano passado lançaram uma sombra sobre essa euforia. Ainda assim, Finkelsztain segue otimista e acredita que não haverá retrocesso na evolução do mercado de capitais. Para ele houve uma mudança cultural entre os brasileiros e os investidores estrangeiros reconhecem o país como uma oportunidade, mesmo com o desempenho sofrível dos indicadores econômicos. “As ações brasileiras ainda estão baratas em relação ao potencial das empresas do país”, avalia Finkelsztain, 49 anos, engenheiro de produção que fez carreira no mercado financeiro. Para ele, nem mesmo os ruídos políticos e as eleições presidenciais devem comprometer essa performance.

Uma das grandes novidades do período de pandemia foi a explosão do número de investidores e a chegada de mais jovens à bolsa. Como isso aconteceu? Tivemos uma combinação de mudanças estruturais muito positivas no triênio de 2019 a 2021, com ganhos significativos para o mercado de capitais. Existem hoje mais pessoas com um interesse maior em investimentos. E a geração nascida nos anos 1990, em particular, tem maior disposição para estudar o mercado e mais propensão a correr riscos, diferentemente da geração anterior, que convivia com um cenário econômico de inflação e juros elevadíssimos. Houve também uma grande mudança no setor de distribuição dos investimentos e a adoção de tecnologias que democratizaram a entrada no mercado de capitais, dando acesso ao que antes era restrito apenas a clientes de alta renda. Além disso, o lado macroeconômico de juros baixos trouxe interesse a produtos de renda variável e investimentos mais sofisticados.

Com a inflação e os juros tendo disparado nos últimos meses, a renda fixa voltou a ser muito atraente. Isso pode pôr fim a essa boa fase e trazer de volta o rentismo do passado? O investidor tem vivido uma experiência de diversificação. Em 2020, logo depois da chegada da pandemia, houve um sobressalto em que tivemos seis circuit breakers, em que as negociações foram paralisadas por quedas muito fortes. A expectativa era que as pessoas físicas seriam as primeiras a sair do mercado de capitais, o que não aconteceu. Elas, na verdade, passaram a comprar mais ações a fim de aproveitar os valores mais baixos. Hoje, o investidor está com maior maturidade, diferentemente de dez a vinte anos atrás, quando se tinha apego apenas a produtos de renda fixa. A renda variável ganhou espaço nas carteiras, assim como outros produtos. A dinâmica do mercado de capitais mudou no Brasil e não vai voltar a ser o que era.

A inflação em doze meses já passou dos 11%, e o governo furou o teto de gastos públicos. O senhor acredita que a taxa de juros Selic tem chances de voltar a patamares mais baixos? O mercado tem a visão de que a Selic diminuirá no ano que vem, mas, obviamente, é preciso levar em conta que vivemos em uma situação de incerteza global e em um cenário eleitoral aqui no Brasil. Tanto o cidadão quanto a classe política já se conscientizaram que juros elevados beneficiam poucos e são nocivos à sociedade. Todos sabem que não se deve repetir a mesma experiência errada duas vezes. Acredito que o juro real naturalmente vai caminhar para um patamar mais baixo, fruto de um controle maior das contas públicas, porque uma coisa caminha de mãos dadas com o outra. A pandemia exigiu um maior gasto público, mas não podemos continuar gastando mal e de forma crescente. Apesar do cenário global de juros mais altos, acho que o juro real no Brasil deve voltar, sim, a uma trajetória de queda.

A promessa de alta de juros nos Estados Unidos preocupa ao atrair recursos — que hoje estão aqui — para os seguros títulos públicos americanos? A alta de juros nos Estados Unidos preocupa o mundo inteiro. Afinal, é um mercado muito grande, que está enfrentando uma inflação que não vivenciava havia mais de quarenta anos. A possível alta de juros nos Estados Unidos é o maior temor de todos os mercados, e o potencial de descontrole inflacionário por lá, sem dúvida, afetaria a todos. Certamente, temos de olhar com cuidado para esse movimento.

Até que ponto as eleições presidenciais são um grande risco para o mercado? Eleição sempre traz incerteza, mas os candidatos são bastante conhecidos e já estamos escolados nesse assunto. Passamos por várias experiências de transições políticas. Hoje, existe um certo amadurecimento de que, se forem feitas de forma cuidadosa, essas alterações não afetam a estabilidade do mercado. Eu acredito que vamos ter alguma volatilidade, mas ninguém espera que haja algum tipo de ruptura ou mudança dramática no cenário brasileiro. Existe uma convergência para os temas críticos e uma agenda comum, que faz com que a eleição seja talvez menos relevante no aspecto econômico do que já foi no passado. O investidor não quer que o Brasil seja alvo de uma experiência ruim.

Entre os candidatos líderes nas pesquisas, nem Jair Bolsonaro nem Lula parecem assustar neste momento, mesmo quando sobem o tom em seus discursos eleitorais. O mercado tem diferenciado o que é campanha e o que vai ser feito no governo? Minha impressão é que sim, mas ainda está cedo. De qualquer forma, até o momento, os mercados não estão nervosos com esse tema.

A Petrobras é a maior empresa de capital aberto no país e seu desempenho sempre tem forte impacto no Ibovespa. Qual o risco das ingerências do presidente Jair Bolsonaro para a companhia e, consequentemente, para o desempenho da bolsa? O que estamos vendo é quanto a governança faz bem para uma empresa como a Petrobras, que é controlada pelo Estado, mas tem também acionistas privados. Talvez, se a gente não tivesse toda a evolução da discussão de governança pela qual a Petrobras passou nos últimos quatro anos, assim como a Lei das Estatais, a empresa estivesse neste momento sendo utilizada como instrumento político. Na conjuntura atual, a Petrobras demonstra que não há problema em ter uma empresa de economia mista listada em bolsa, desde que o acionista controlador entenda que ter sócios significa tratá-los com respeito, sem usar a companhia como se fosse 100% do governo.

Uma surpresa positiva, neste começo de ano, foi a forte entrada do investidor estrangeiro na bolsa brasileira. Esse movimento deve perdurar ou é apenas uma questão de oportunismo para comprar ações baratas e investir em empresas de commodities favorecidas pela guerra? Esse movimento do investidor estrangeiro pode ainda continuar por bastante tempo. A verdade é que o Brasil estava e ainda está muito barato, por meio da combinação de ações com preços atraentes e uma taxa de câmbio depreciada. Nos últimos anos, o país perdeu relevância mesmo entre os emergentes. Os investidores estrangeiros procuram crescimento forte nesses países, e, dado o nosso baixo crescimento, eles deixaram o Brasil em segundo plano. Mas, com a bolsa barata e a atual busca por proteção contra a inflação por meio de ativos como os bancos e commodities, o Brasil voltou a atrair o fluxo internacional. A perspectiva é positiva, mas vale lembrar que o investidor estrangeiro busca estabilidade e crescimento. Precisamos fazer nosso dever de casa para que esse fluxo se mantenha. Dentro do portfólio de investimento nos emergentes, o Brasil já teve mais de 10% de participação e hoje está perto de 5%. Nos portfólios globais, já foi de 2% a 3%, mas agora fica em torno de 1%. Isso mostra como perdemos espaço e quanto ainda temos de recuperar.

Recentemente houve um erro no cálculo dos recursos trazidos pelos estrangeiros, que foi bem menor do que o divulgado anteriormente pela B3. O saldo de 91,1 bilhões de reais anunciado até 30 de março foi revisado para 64,1 bilhões de reais. O que aconteceu? Houve uma falha na contabilização de empréstimo de ações. Reconhecemos o erro e também estamos revisando os números dos anos anteriores. Apesar da correção ser elevada, a tendência permanece a mesma. Os investidores estão trazendo recursos. O fato de os juros estarem altos no Brasil também atrai recursos estrangeiros para a renda fixa e contribui para a queda no valor do dólar.

Com a China criando mais restrições a suas empresas de tecnologia, a Índia em certa instabilidade e a Rússia sofrendo sanções com a guerra, o Brasil tem mais chances de atrair mais investimentos voltados a emergentes? Dos chamados Brics, o grande destaque é a China, não há dúvida. Mas o Brasil tem condições de atrair parte desse fluxo de emergentes que busca determinadas condições de investimento. O mercado aqui, por exemplo, ainda é pequeno, mas tem empresas de altíssima qualidade. São só 400 companhias listadas, mas reconhecidamente globais e competitivas. Temos um espaço enorme para desenvolver.

Desde o segundo semestre do ano passado as aberturas de capital deixaram de acontecer na B3. Vai haver uma retomada em algum momento? Entre 2020 e 2021, tivemos mais de setenta aberturas de capital. Mas a gente vinha de uma década em que a média era de quatro a cinco por ano. O Brasil hoje tem excelentes empreendedores e boas empresas se preparando para chegar à bolsa. Existem atualmente mais de cinquenta empresas em preparação para chegar à B3, seja porque cancelaram oferta ou porque ainda estão se preparando para o IPO. Mas, ao mesmo tempo, este ano será um pouco mais restrito por causa desses ajustes de inflação, juros mais altos e crescimento mais baixo. Com a normalização das condições, essas empresas devem retomar seu movimento para abrir capital. É claro que nem todas chegarão a isso, mas, se analisarmos a indústria de investimento no Brasil, menos de 15% dos ativos estão alocados em ações. À medida que a economia se normalizar, a busca por bons ativos e boas oportunidades de renda variável será retomada.

- Publicidade -
Copiar