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sábado, abril 27, 2024

Ícone do rock acreano, Pia Vila prepara novo CD aos 66 anos: ‘sinto que é meu melhor momento’

Por Redação O Juruá em Tempo.

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Ícone do rock acreano, Pia Vila prepara novo CD aos 66 anos: ‘meu melhor momento’  — Foto: Arquivo pessoal

“Sempre fui um compositor autônomo, independente. Não comecei na música tentando imitar ninguém”. Aos 66 anos, é assim que Pia Vila, figura emblemática do rock acreano, avalia seus 50 anos no cenário musical do estado, reunindo amigos em composições históricas que resgatam e reforçam a identidade amazônica no estilo Rock n’ Roll. E no Dia Mundial do Rock, comemorado nesta quinta-feira (13), o g1 conta a história desse artista de alma livre que em suas composições contou histórias e relatou também momentos históricos do estado.

Apesar da autenticidade, Pia Vila já foi comparado a Raul Seixas e até Zé Ramalho. Em cinco décadas atuando ativamente no cenário musical acreano, passeou por estilos como rock, blues e folk music. Performático, a presença do cantor preenche o palco. Além disso, é reverenciado por artistas acreanos que reconhecem a importância desse dinossauro do rock acreano.

Hoje é difícil dividir Juscelino Vila Nova do Pia Vila, nome artístico adotado antes mesmo de se tornar cantor. Nascido em Rio Branco, o compositor era chamado de “piá” [menino] pelos amigos porque gostava de andar de bicicleta e percorrer as ruas de Rio Branco. Da junção do apelido com o sobrenome, nasceu Pia Vila, compositor, cantor e um artista como um todo.

E o primeiro passo para que Pia se tornasse cantor foi a ajuda de outra personalidade acreana importante, o primeiro jornalista cultural, Chico Pop, que inclusive chegou a dar nome a um dos festivais mais populares de música do estado.

Pia Vila completa 50 anos e se prepara para lançar um novo CD — Foto: Arquivo pessoal
Pia Vila completa 50 anos e se prepara para lançar um novo CD — Foto: Arquivo pessoal

Parceria

Uma das músicas dessa parceria tem um significado importante para Pia após a morte do amigo. Se trata da música “Estrela do Mar” ou “Estrela Cadente”, como ele prefere chamar atualmente. A faixa está no CD Aldeia Sideral e, diziam, que faziam referência a Maués Melo – diretor, dançarino, performer, cantor, compositor e poeta acreano, que morreu em 1991 em decorrência de complicações do HIV.

Chico Pop morreu aos 61 anos em 2006 e foi um dos fundadores do Festival Acreano de Música (FAMP). A canção, que também teve sua autoria, diz:

“Lá vai o menino
Atravessando a ponte
Que dá pro outro lado do interior
Olhou o rio torto turbulento
Já faz tanto tempo
Que não vê o mar
Foi neste momento
Que a ponte partiu
Virou uma estrela
E no céu se perdeu”

Para Pia, os trechos escritos com o amigo hoje falam de forma lúdica da partida de Chico Pop – um dos maiores entusiastas da cultura acreana.

“Essa foi uma música que fiz com o Chico Pop e que, após a morte dele, sempre que toco tem um sentido muito grande pra mim, da amizade, do menino muito bom que ele foi, do amigo que foi comigo”, relembra emocionado.

Autêntico e independente

Sempre com vestimentas de couro e óculos escuros, Pia viajava levando sua música. Conta que fez uma viagem de fusca assim que foi aberta a transamazônica. Fala com saudosismo das aventuras que teve para levar o rock feito na Amazônia para outros estados do país.

Em um dos festivais que se apresentou, conta que chegou a ser vaiado. Pensou em desistir da profissão, mas, no segundo dia, ajustou arranjos e fez uma segunda apresentação que, segundo ele, salvou sua carreira.

“Levei uma vaia, fiquei decepcionado, quase acabava minha carreira ali. No outro dia, uns acreanos que estavam em Manaus me apoiaram para apresentar a música com banda, porque eu tinha me apresentado sozinho, ainda estava aprendendo a tocar. Na segunda noite, me apresentei de novo, com todos os instrumentos e quando me anunciaram foi um tremendo estouro e salvou minha carreira, porque eu estava disposto a desistir. Nunca fui de seguir linha e nunca tive pretensão de ser grande com isso”, destaca.

‘Aldeia Sideral’

Em 2004, ele lançou seu álbum “Aldeia Sideral”, que 7 anos depois se tornou um DVD gravado no Sesc-Centro. A obra traz clássicos como Plantação de Bacuri; Garota Gasolina; Rio Estranho; Pra Desafinar e Padrinho Sebastião.

Já em 2020, surge o álbum “Mastigadinho”, unindo uma pegada de rock com baião. Perguntado sobre de onde vem a inspiração para suas músicas, Pia diz que simplesmente brota.

“Não tenho nada muito direcionado, vai brotando a ideia e vou criando alguma coisa, tem músicas clássicas e outras que vão surgindo. Nunca fiz música com muita seriedade, mas tem coisas que ficaram sérias pelo tempo, pelos momentos. O meu desejo maior era ser um cantor da floresta, cantando coisas daqui, meu pensamento principal era esse; enaltecer as coisas da minha terra, que amo”, revela.

Para ele, a música está no sangue, porque o pai também tocava reco-reco em uma banda do nordeste. “Quando ganhei o violão passou aquele filme de ser uma coisa que meu pai já tinha feito e era o tempo em que o Acre estava sendo invadido pelos sulistas, derrubando a floresta, criando gado e direcionei meu trabalho mais pra isso e virou algo autêntico.”

Pia Vila avalia os 66 anos como o período mais consciente  — Foto: Arquivo pessoal
Pia Vila avalia os 66 anos como o período mais consciente — Foto: Arquivo pessoal

Novo CD aos 66 anos

Para os próximos meses, o cantor acreano revela que vai lançar um novo CD no auge dos seus 66 anos. O álbum, ainda sem um nome definido, deve reunir canções inéditas que ele vem guardando ao longo da carreira e nunca gravou. Parceria com amigos, a obra deve ser uma surpresa boa para eles.

Pia avalia estar em seu momento mais consciente, então acredita que o novo trabalho deve ter um significado importante.

“Tenho quatro composições minhas e seis de amigos muito próximos, de pessoas que não formaram identidade musical nenhuma, então vai ser uma surpresa muito boa para os amigos que estão espalhados por Brasília, outros morreram, outros nem vivem mais de música, vai ser um CD agradável para as pessoas”, resume.

O trabalho é um resgate a raízes de Pia Vila, relembrando e cantando lugares e pessoas. “Sempre fui muito de resgate de coisas boas, o que é bom, tive momentos ruins, mas uma coisa nunca deixei de ter: Deus no coração, carinho e respeito. O mal que possa ter feito na terra foi só para mim mesmo.”

E sobre estar com 66 anos, o artista esbanja vitalidade e diz estar com todo gás para produzir nesse momento que considera o mais lúcido de sua carreira.

“Não gosto nem de falar de idade, porque na minha cabeça ainda tenho aquela cabeça de piá. Aquele menino que ia pro açude pescar, porque ainda me sinto um jovem de 30 anos, que, mesmo apesar de tudo, conseguiu submergir. O tempo foi passando e hoje acredito que estou no meu melhor momento de consciência, então juntei algumas coisas que tinha muito carinho e que estavam esquecidas na mente e tô lançando esse novo trabalho.”

Ícone do rock acreano

Pai de 5 filhos e avô, Pia Vila tem uma vida tranquila e sem muito glamour. Como mesmo diz, para ele, tanto faz ter muito ou pouco, sempre tentou fazer a música pelo amor que corre nas veias. É no palco que ele faz Juscelino desaparecer e apenas o Pia Vila domina essa personalidade irreverente que abriu portas para todas as outras bandas de rock no Acre. Como cantou Carol Freitas, em “Baixaria Blues”, feita por Diogo Soares e Saulo Machado, “ouvindo o velho Pia Vila adoidado”, ao reverenciar um dos precursores do movimento no estado.

O legado ele trata com simplicidade e é até modesto ao reconhecer sua contribuição. “Acho que as pessoas que dizem isso pra mim é um consolo por eu estar há 50 anos batalhando. Considero o ‘Aldeia Sideral’ um dos trabalhos de maior importância no meio cultural acreano por ter sido feito com detalhes, grandes músicos, porque não foi só eu, mas foi feito pelas mãos de grandes músicos. Quando era mais novo, as pessoas me chamavam de Raul, mas nunca queria ser confundido com outra pessoa, mas achava legal porque eu gostava muito do Raul, aí começaram a me chamar de Zé Ramalho por conta das músicas nordestinas, e sempre levei na brincadeira”, relembra.

Além de “Estrela do Mar”, ele elege “Rainha da Floresta” e “Acre, rio estranho” , canções que têm um significado especial para ele e são parte da identidade amazônica. Nesta última, ele fala sobre as cheias e secas do rio que corta a capital acreana e se diz especialista em transformar a tragédia em arte, como forma de expressão.

Entre altos e baixos e as curvas de um rio, Pia Vila foi se reinventando e hoje é um sobrevivente, assim como prega o rock, é resistência na cultura acreana, por muitas vezes sem recursos e sem incentivos. A voz de Pia ainda vai ecoar, seja por ele mesmo ou pelos artistas que ele abriu as portas ao passear pelas ruas com uma bicicleta e um violão. Nem Raul, nem Zé Ramalho, apenas Pia Vila.

“O mundo pode não ter muito brilho, mas, para mim, quando piso no palco me sobe aquela áurea de luz, coisa iluminada que me identifiquei desde o início e pensei: é isso que eu quero fazer. Como a vida dá muitas voltas, eu fui fazendo de tudo e fazendo amor, e fazendo música”, disse antes de finalizar emendando: “nunca dei uma entrevista tão longa, usa tudo, porque isso aí vai valer milhões”, desliga bem humorado.

Por Tácita Muniz, do g1 AC.

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