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sexta-feira, julho 26, 2024

Após tratamento contra doença grave, menino acreano morre em Recife: “Tinha um coração tão bom”, relembra família

Por Victor Lebre, g1 AC.

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Gabriel era um menino educado e de bom coração, lembra a mãe — Foto: Reprodução

Uma criança educada, que cativava a todos e que queria o bem a todos. Assim era Gabriel, de 9 anos, de Xapuri, no interior do Acre. E é assim que sua mãe, Maianna Buriti, e toda a família irão lembrá-lo.

Há cerca de um ano e meio, o menino tratava uma aplasia medular, doença grave que faz com que a medula produza quantidade de sangue inferior à necessária para o corpo. Em dezembro de 2022, a família precisou ir para Recife, no estado de Pernambuco, para seguir o tratamento.

“A descoberta da doença, já foi um choque muito grande. É uma doença muito rara”, relembra Maianna.

Busca por doadores

Menino precisava de transplante de medula e não conseguiu doador 100% compatível — Foto: Reprodução

A família teve acesso ao Tratamento Fora do Domicílio (TFD), mas, inicialmente, apenas custos com as passagens foram cobertos. Para permanecer com Gabriel, Maianna também levou a mãe e a filha mais nova, e os custos com alimentação, estadia e transporte precisaram ser garantidos pela família, que acabou precisando promover uma campanha para arrecadar fundos. Maianna conta que recebeu apoio do Ministério Público, e a Secretaria de Estado de Saúde do Acre (Sesacre) garantiu os recursos através do TFD.

Gabriel precisava de um transplante com 100% de compatibilidade, índice que geralmente é alcançado entre irmãos. Gabriel tinha um irmão do mesmo pai, e a irmã mais nova, de pai e mãe, que foi a escolhida para os exames, mas foi constatada que não havia a compatibilidade necessária.

Com isso, a família cadastrou o menino para buscar possíveis doadores em todo país, até que um resultado positivo foi encontrado. Porém, o possível doador não é obrigado a ceder a medula, e, nesse caso, optou por não fazer a doação.

“Nós fizemos o exame de compatibilidade e ela [a irmã] não era compatível com ele. Nós entramos no site de busca de doadores. Ainda conseguimos encontrar um doador compatível, porém a pessoa tem a escolha, a opção de escolher se quer doar ou não. A pessoa não quis doar. Essa informação de quem é a pessoa, a gente não sabe, é tudo sigiloso. Mas a gente soube que na época tinha encontrado, foi toda aquela alegria, e logo em seguida a assistência passou as informações para a gente que não ia dar certo”, conta Maianna.

Maianna e o marido, Marcos, decidiram adotar uma medida mais complexa. Ela engravidou, na esperança de que o bebê pudesse ser o doador do irmão, antes de optar por um outro transplante com menor chance de suprir o problema de saúde, com 50% de probabilidade de funcionar.

“A doença do meu filho é uma doença que não espera, não tem esse tempo. O corpo vai ficando fraco, o corpo ia chegar um tempo que não ia aguentar estar tomando sangue. As medicações eram muito fortes, ajudava a segurar um pouco a plaqueta, porém é uma medicação muito forte. Nesse meu período, eu e meu esposo, no desespero, decidimos engravidar. A gente sabia que tinha chance de não dar certo, mas a gente não tinha para onde correr”, diz.

Um exame de compatibilidade chegou a ser feito com o sangue da placenta, em um laboratório do estado de São Paulo, que cedeu o procedimento gratuitamente após saber da história da família. O resultado acabou sendo negativo.

Maianna e o marido, Marcos, decidiram ter um outro filho para tentar doação de medula para Gabriel — Foto: Reprodução/Guthiane Melo
Maianna e o marido, Marcos, decidiram ter um outro filho para tentar doação de medula para Gabriel — Foto: Reprodução/Guthiane Melo

Esperança

Quando o resultado do novo exame chegou, um transplante haplodêntico já havia sido feito, no qual o pai foi o doador. A mãe relata que esse tipo de procedimento ganhou notoriedade principalmente durante a pandemia de Covid-19.

Essa tentativa foi a que mais deu esperanças à família, e Gabriel começou a melhorar, e seguiu com radioterapia e quimioterapia. Porém, Maianna relata que esse tipo de procedimento tem um período de observação de um ano, no qual pode acontecer rejeição, o que acabou acontecendo com o menino. Em junho deste ano, foi necessário retornar a Recife.

“Foi visto que ele ainda tinha um pouco da medula do pai, porém a doença estava tomando conta dele. A médica disse que iria fazer um procedimento para pegar os linfócitos do pai e transportar para ele, para tentar fazer com que esse pouco de medula do pai que estava lá reagisse. E aí foi onde deu tudo errado”, lamenta.

Piora na saúde

“Ele começou a ter febre, começou a passar muito mal, e foi tudo muito rápido. Numa noite, estava no quarto do hospital com ele, a gente cantando, brincando, conversando e na outra noite no mesmo horário o meu filho estava sendo intubado”, relembra.

Além da piora no estado de Gabriel por conta da aplasia medular, ele também desenvolveu um problema chamado de doença do enxerto, que ocorre quando células da medula óssea ou células-tronco do doador atacam o receptor.

O menino perdeu muito peso, apresentou irritações na pele e no fim de agosto teve morte encefálica. A família ainda permaneceu ao lado dele por cerca de quatro dias, e no dia 2 de setembro teve o óbito confirmado.

“Eu e o pai, a gente passou ainda em torno dos quatro, cinco dias lá do ladinho dele, sabendo que ele já não estava mais ali, que o coração estava batendo por causa da medicação, e que a ventilação estava no pulmão dele. E isso estava matando a gente, estava vendo o que estava acontecendo com o corpo do nosso neném. Ele foi ficando muito irreconhecível”, conta Maianna.

O amor permanece

Gabriel sonhava em ser policial rodoviário quando crescesse — Foto: Arquivo pessoal
Gabriel sonhava em ser policial rodoviário quando crescesse — Foto: Arquivo pessoal

“O que a médica falou pra gente, é o que a gente está tentando se apegar. Ela disse: ‘mãe, não deixa esses doze dias [de piora] tomar conta dos nove anos que você passou com ele’”, declara Maianna.

Após a trajetória lutando pela saúde do filho, ela conta que o que permanece é o amor, e a lembrança do filho que sempre demonstrou força durante os tratamentos. A família nunca escondeu a gravidade do problema para o garoto, e Maianna diz que ele nunca perdeu a esperança em se curar, e que ele mesmo transmitia força aos pais.

“Ele sabia pegar o hemograma dele, ele dizia o que estava acontecendo. Ele sabia se ele ia precisar tomar sangue. Ele era por dentro de tudo. Eu me lembro de uma situação que estava sendo muito difícil pra gente, estava tentando colocar um soro nele, porém as plaquetas estavam baixas e as veias estavam estourando. Ele estava todo furado, chorava ele e chorava eu. Eu pedi pra enfermeira sair um pouquinho pra dar um tempo pra gente, pra gente se recuperar. E a gente estava abraçado, os dois chorando muito. Naquele momento, ele colocou as mãozinhas dele no meu rosto e disse assim: ‘mãe, a gente vai vencer, vai dar certo, porque Deus não dá um fardo que a gente não possa carregar’”, relembra.

Gabriel, que tinha o sonho de ser policial rodoviário, não teve tempo de realizar o sonho, mas ainda assim orgulhou a família. A mãe lembra que já chegou a ser chamada na escola onde ele estudava para receber elogios dos professores.

“Meu filho nunca falou um palavrão. Extremamente educado, extremamente inteligente. Por onde a gente passava, as pessoas elogiavam. De um de uma educação, de um amor tão grande, ele jogava jogos online, e ele tinha um coração tão bom, que ele via alguém discutindo com outra pessoa, e aquilo ali doía nele”, acrescenta.

O velório de Gabriel ocorreu na última quarta-feira (6), em Xapuri, com direito a cortejo acompanhado pela Polícia Rodoviária Federal (PRF). Maianna diz que a história do garoto comoveu todo o município, e que todos se solidarizam com o momento de dor. Essa união, causada por Gabriel, tem confortado a família, que faz questão de ressaltar o menino de bom coração que ele foi.

“Eu estava falando pro pai dele, que o Gabriel não era pra esse mundo, porque esse mundo tem tanta maldade, tem tanta gente ruim, e ele se doía quando ele via alguma coisa. Ele queria que o mundo fosse recíproco, igual ele, que não olhava para ninguém com mal, e que queria ajudar todo mundo”, conclui.

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