A servidora pública federal Michele, mulher trans, conseguiu na Justiça algo inédito: o plano de saúde terá que ressarcir o valor de uma cirurgia, que é parte do processo transsexualizador. Acontece que Michele recorreu judicialmente após o plano de saúde negar a cobrir a cirurgia, que está incluída no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde (ANS) para pessoas transsexuais.
Michele entrou com uma ação contra o plano de saúde para ressarcir o valor total da cirurgia, além de danos morais. A sentença foi dada neste mês de novembro, e a servidora pública saiu vitoriosa.
Em janeiro deste ano, Michele havia explicado ao ContilNet, que no final de 2021, ela teve o pedido de cirurgia para implante mamário negado pela GEAP Saúde. “Eu fui e fiz com o meu dinheiro. Já estava passando por um momento que não dava mais para esperar. Tive que fazer empréstimo, tive que me prejudicar financeiramente por uma coisa que é um direito meu. A primeira interpretação deles foi errada, falaram que o rol da ANS se refere apenas a cirurgia de redesignação sexual, mas o rol se refere às cirurgias do processo transexualizador, um conjunto de cirurgias, e não apenas cirurgia de mudança de sexo”, explica Michele, que entrou em maio de 2022 com uma ação contra o plano de saúde, pedindo ressarcimento da cirurgia realizada, e o direito do custeio de outras cirurgias do processo transexualizador por parte do plano.
A defesa da paciente, a advogada Tatiana Martins levou em consideração decisões favoráveis em outros tribunais, como o Tribunal de Justiça de São Paulo, que em um processo similar, reconheceu que “havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS”.
Ao ContilNet, Michele afirma que essa decisão não é apenas um ato jurídico. “É um ato político, que beneficia todas as mulheres trans que são vistas como fetiche, que estão mais dentro de uma cultura de consumo do que uma cultura de relação. Essa decisão traz humanidade aos nosso corpos, que devem deixar de ser vistos como corpos estéticos, mas sim corpos naturais e que isso reverbere para todas as mulheres, cis ou trans”, disse.
Além de todo o valor da cirurgia, Michele também vai receber um valor por danos morais. Na sentença, foi dito que “a negativa de cobertura do plano de saúde ao procedimento requerido, gera inequívoca aflição, angústia e sofrimento, além de representar afronta ao direito à vida e a dignidade da pessoa humana, notadamente quanto ao seu direito à personalidade, relativo a sua identidade como forma de individualização da pessoa humana”.
Processo
A cirurgia de Michele foi feita há 2 anos e a servidora explicou que provocou administrativamente o plano de saúde e apresentou todos os relatórios médicos, além dos requerimentos médicos, solicitando que o plano cobrisse a cirurgia, o atendimento com médico cirurgião, psiquiatra, psicólogo, endocrinologista, mas o pedido foi negado. “Como eles negaram, eu peguei e fiz por conta própria. Depois disso, eu entrei com uma ação na justiça para que eles me ressarcissem e a decisão saiu agora”, explicou.
Direito
Em 2018, o Supremo Tribunal Federal do país, em julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.275, reconheceu, nas palavras do ministro Marco Aurélio, que “o Estado não pode limitar, restringir, excluir, obstar ou embaraçar o exercício, por qualquer pessoa, de seus direitos à identidade de gênero”. Na decisão, o ministro do STF apontou sobretudo, o direito fundamental à busca da felicidade.
O processo cirúrgico transexualizador é entendido como uma forma da pessoa trans adequar o seu eu com sua imagem. A decisão impacta na luta pelos direitos das populações trans no estado e na Região Norte, onde a saúde da comunidade LGBTQIAPN+ ainda não é tão discutida, comparada a outras regiões do Brasil.