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‘A gente não tem para onde voltar’, diz mulher que teve casa destruída durante enchente em Brasiléia

Elizângela perdeu casa durante cheia do Rio Acre em Brasiléia — Foto: Júnior Andrade/Rede Amazônica Acre

As lágrimas rolam pelo rosto ao lembrar dos acontecimentos das últimas semanas. A vendedora Elizângela Freitas é uma das mais de 4 mil pessoas que tiveram de sair de casa durante a enchente que atingiu a cidade de Brasiléia, no interior do Acre, no final de fevereiro.

👉 Contexto: Em todo o estado, pelo menos 27.919 pessoas estão fora de casa, dentre desabrigados e desalojados, segundo a última atualização feita pelo governo do estado nesta quarta (5). Além disso, 19 das 22 cidades acreanas estão em situação de emergência por conta do transbordo de rios e igarapés. Ao menos 23 comunidades indígenas no interior do Acre também sofrem com os efeitos das enchentes e quatro pessoas já morreram em decorrência da cheia.

A mulher, que foi levada para um abrigo, acreditava que com o nível do rio baixando, o pior havia passado e ela poderia voltar para casa. Ela acabou, no entanto, tendo mais uma surpresa desagradável.

“A gente foi lá limpar e quando chegou lá se deparou com a aquela situação. Parecia cenário de guerra. A casa destruída. A gente não tem para onde voltar agorinha. Muitas famílias já foram, mas as pessoas que estão aqui ainda não tem para onde voltar”, relata.

A situação é compartilhada por outras famílias que, em meio a muitas incertezas, esperam no abrigo. “Eu nunca passei por uma situação como a que passamos nesses dias alagados. Perdi móveis, tudo que ficou dentro da casa foi perdido, porque a água levou”, conta a dona de casa Sula Batista.

Ainda não foi possível contabilizar o prejuízo total, mas a Prefeitura de Brasiléia estima ao menos R$ 4 milhões em perdas até o momento.

Operação de limpeza
A administração municipal começou nesta segunda-feira (5), a “Operação Limpeza da Cidade” após a cheia histórica que devastou a cidade. Os moradores do município ainda não têm previsão para voltarem para suas casas, porém a limpeza já foi iniciada e a operação só será finalizada após passar em todos os bairros afetados pela alagação.

O rio Acre atingiu, no dia 28 de fevereiro, a marca histórica de 15,58 metros na cidade. No último sábado (2), o nível do rio marcava 9,75 metros, abaixo da cota de alerta que é de 9,80 metros. Nesta quarta, não foi divulgada a medição do manancial na cidade até a última atualização desta reportagem.

Após a vazante do rio, o cenário que ficou foi de destruição. Muita lama precisou ser retirada na cidade. De acordo com a prefeita de Brasiléia, Fernanda Hassem, muitos moradores estão indo até suas casas para limpar, porém retornando para o abrigo. “A Defesa Civil não recomendou a volta pra casa, não teve aquela operação volta pra casa, entende? Porque é muito prejuízo, muitas casas destruídas”, explicou.

Lama, lixo e entulhos estão sendo retirados das ruas de Brasiléia — Foto: Asscom/Prefeitura de Brasiléia

A gestora também explica que está impossibilitado a volta das famílias para casa por falta de acesso às ruas. “A cidade está destruída. Não tem acesso nem nas ruas, desmoronou e tá cheio de entulho. Mas uma força-tarefa já foi montada e deve começar hoje a limpeza geral da cidade”, disse.

Primeiros locais que receberam a limpeza:

  • Ruas Marechal Rondon e Rua da Goiaba – Bairro Centro
  • Rua Olegário França – Bairro Eldorado
  • Parque Centenário
Moradores de Brasiléia tentam reconstruir cidade após enchente histórica — Foto: Júnior Andrade/Rede Amazônica Acre

A prefeita afirmou também que essa operação é por tempo indeterminado, até toda a cidade estar limpa.

“Enquanto toda a cidade não tiver limpa, todo o entulho, a lama não tiver retirado, a desobstrução das ruas, garantindo a trafegabilidade, garantindo a retirada de lixo, de entulhos, a lama e a manutenção das ruas, a operação vai continuar”, disse.

Destruição

Com a cidade tomada pelas águas, quase 4 mil pessoas ficaram desabrigadas ou desalojadas, segundo a prefeitura do município. Os moradores de Brasiléia e de Epitaciolândia, cidade vizinha, faziam filas para aguardar as embarcações que têm feito o transporte de moradores para várias atividades. O comércio, inclusive, não parou de funcionar, nem mesmo com a cheia.

Moradores fazem fila para aguardar embarcação que faz transporte até Brasiléia — Foto: Eldérico Silva/Rede Amazônica Acre

Antes do nível de 15,58 metros ter sido alcançado na última semana, a maior marca registrada era de 15,55 metros, registrada em 2015, naquela que ficou conhecida como a pior cheia da história da cidade, quando as águas do manancial cobriram 100% da área urbana do local.

Segundo a Defesa Civil Municipal, a enchente em Brasiléia atingiu 15.312 pessoas. Doze bairros ficaram alagados e montados 16 abrigos para instalar os moradores desabrigados.

Na segunda, o governo federal liberou mais de R$ 20 milhões para as ações de assistência aos atingidos pelas enchentes no Acre, na capital e no interior do estado. As portarias foram publicadas nas edições dos dias 29 de fevereiro e 4 de março, no Diário Oficial da União (DOU).

Neste ano, a enchente provocou o isolamento da cidade por via terrestre, já que a Ponte Metálica José Augusto, que liga a cidade a Epitaciolândia, município vizinho, teve que ser interditada no dia 25 de fevereiro. Dias depois, a passagem chegou a ficar totalmente coberta pelas águas do manancial.

De acordo com a prefeitura, a população do município sofre com a quarta alagação em 11 anos e com isolamento da única ponte de acesso ao lado brasileiro. A ponte é de mão única que liga também ao município vizinho. Sem essa ligação, não é possível trafegar por terra até a fronteira boliviana.

A ponte, que fica na BR-317, é a única via de acesso terrestre tanto para Brasiléia como para a cidade de Assis Brasil, na fronteira com o Peru. É por ela que chegam mercadorias, suprimentos, medicamentos e combustível.

Colaboraram Júnior Andrade e Eldérico Silva, da Rede Amazônica Acre.

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