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terça-feira, dezembro 3, 2024

Pela primeira vez em 14 anos, Centro Socioeducativo no Acre não registra internação de adolescentes cumprindo medidas

Por Tácita Muniz.

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Foco na educação e integração de todos os atores que compõem o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase). Esses são alguns dos pontos que impactaram em algo inédito no Centro Socioeducativo Purus, em Sena Madureira. Nesta semana, a unidade zerou o número de internações de adolescentes que cumpriam medidas por cometimento de ato infracional. A notícia mostra o impacto de um trabalho integrado entre os poderes Executivo e Judiciários em prol de uma ressocialização.

Nos últimos anos, inclusive com o concurso feito para o Instituto Socioeducativo do Acre (ISE), houve um reforço nos métodos de recuperação desses jovens que estavam internados nessas unidades de acolhimento. Com reforço de pessoal, implantação da central de vagas, que distribui melhor os adolescentes e evita superlotação, pode-se aplicar melhor questões educacionais, focando na reinserção desse jovem à sociedade.

Audiências ocorrem em centros socioeducativos no Acre. Foto: cedida

Além disso, oficinas, capacitações e o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar contribuem para que aquele adolescente possa vislumbrar novos caminhos e consiga sonhar com uma vida diferente.

Paralelo a isso, com a qualificação dos magistrados, o estado do Acre passou a adotar as chamadas audiências concentradas para reavaliação de medidas socioeducativas de semiliberdade e internação. Essa medida foi estabelecida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a partir da Recomendação CNJ nº 98/2021.

A metodologia promove a participação de adolescentes, familiares, equipe técnica e outros atores do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente nessas audiências, efetivando princípios e normas nacionais e internacionais que estabelecem ações centradas nos direitos e interesses de adolescentes e jovens em atendimento. A partir disso, um trabalho integrado avalia os requisitos e o contexto daquele adolescente para que ele possa, de fato, ser reabilitado.

Efrael Cavalcante, diretor da unidade, comemorou esse marco histórico dentro do sistema e atribuiu esse resultado à equipe do centro, que tem se dedicado a mudar a realidade desses adolescentes. Segundo ele, ver a unidade, que já chegou a ter quase 100 adolescentes internados, vazia, dá um sentimento de dever cumprido.

“Em meados de 2018, quando tínhamos o momento crítico das facções na cooptação desses jovens, chegamos a ter quase 100 jovens internados. Quando assumi a direção, em julho deste ano, estávamos com 17 adolescentes. Foi quando ocorreram as primeiras audiência concentradas, que são feitas de três em três meses, e agora em outubro tivemos outras e então estamos sem internações no momento”, explica Cavalcante.

Ele diz que a unidade conta com equipes de segurança e coordenação técnica educacional que focam em possibilitar que o adolescente cumpra todos os requisitos necessários para ser beneficiado com a audiência.

“Para que esses adolescentes possam ser desinternados precisam atender vários requisitos, como escolarização, que ocorre em todas as unidades, e também participação em cursos e oficinas. Hoje, na unidade, nós temos uma equipe completa de professores e coordenação, inclusive um anexo da Escola Estadual Fontenele de Castro”, explica.

A unidade oferece oficinas do Enem, escolarização de acordo com a necessidade daquele adolescente, fazendo com que ele não fique sem acesso à educação. “Todos têm acesso a um professor. Não importa se tem um, cinco ou sete adolescentes, todos têm professores para dar assistência”, destaca o diretor.

Outro projeto que funciona dentro do centro é o “Plantando Sonhos”, que consiste em uma horta em que o adolescente faz um curso para cuidar daquele local e o faz diariamente. Há também diferentes cursos ofertados pelo Instituto Estadual de Educação Profissional e Tecnológica (Ieptec).

“Vale ressaltar que essas audiências concentradas ocorrem na própria unidade, com familiares dos adolescentes, com a promotoria, Ministério Público, juizado e toda a equipe multidisciplinar, uma audiência feita na hora, onde é resolvida a situação daquele adolescente levando em consideração o contexto em que está inserido”, pontua.

Além de o centro não registrar nenhuma taxa de reincidência, o diretor confirmou que todos que foram desinternados vão fazer o Enem este ano. Ele reforça a parceria com o Poder Judiciário e destaca que muitos projetos são possíveis por meio de recursos provenientes de penas pecuniárias.

Foco em educação tem mudado a vida dos adolescentes. Foto: Cedida

‘Esperança’

O juiz de direito da Vara Cível da Comarca de Sena Madureira, Caique Cirano di Paula, explica que no estado do Acre ocorreu uma formação de todos os magistrados que atuam em comarcas onde funcionam os centros socioeducativos e, a partir dessa formação feita em junho, iniciou-se efetivamente os ciclos de audiência concentradas. Elas são realizadas rotineiramente, segundo um cronograma anual.

Em Sena Madureira, o primeiro ciclo ocorreu em 3 de julho e o segundo em 22 de outubro. “A realização das audiências concentradas no sistema socioeducativo constitui um aperfeiçoamento da aplicação da medida socioeducativa determinada judicialmente. Ela leva em consideração não só o relatório da equipe técnica, mas também a participação ativa do adolescente, dos familiares e de outros atores da rede socioeducativa. Nessas audiências, a partir de um relato técnico de forma oral, registrado em sistema audiovisual, os atores do sistema tiram suas dúvidas e, posteriormente, abrem espaço para o próprio adolescente”, explica o magistrado.

Então, esse adolescente fala sobre suas expectativas, como ele vê sua evolução, juntamente com a participação familiar, que é muito importante. “É salutar a participação das mães, dos pais, dos avós nesse momento de ressocialização, de socioeducação e, posteriormente, se fazem as considerações finais por parte do Ministério Público e da Defesa, culminando finalmente com a decisão do Judiciário”, completa o juiz.

Caique di Paula chama a atenção para este ponto específico da oralidade. Para ele, essa conversa com o adolescente permite que detalhes importantes sejam melhor avaliados pela rede que acompanha esse jovem.

Centro Socioeducativo, pela primeira vez, não registra internações. Foto: cedida

“Nessa medida, os relatos técnicos, embora fundamentados, fotografados, não transmitem propriamente toda a carga sentimental, afetiva e efetiva decorrente do cumprimento de uma medida em seres que estão ainda em estado de desenvolvimento. Então, a percepção direta dos órgãos, como o Ministério Público, da Defensoria Pública, do próprio Poder Judiciário, de fronte a essas situações, acompanhando as famílias de uma forma mais próxima e imediata, permite uma melhor concepção do cumprimento dessas medidas”, avalia.

Porém, ele relata que as audiências concentradas, de forma isolada, não sejam a causa da desinternação, uma vez que o adolescente precisa cumprir requisitos estabelecidos pela lei.

“Acredito que todas as desinternações ocorridas são mérito dos próprios adolescentes, mérito dos estudos que realizaram lá dentro, dos trabalhos, da ordem, da honradez e respeito que tiveram para consigo mesmo, para com os outros, para com os agentes socioeducativos e, além disso, para o empenho de seus familiares, que não falharam no comparecimento, no fomento da esperança, do afeto, do acolhimento e, ainda, da estrutura que foi proporcionada de estudo, de auxílio de saúde e atuação de todos os órgãos, do Poder Executivo, do Poder Judiciário e do Ministério Público e todos os envolvidos”.

Isso mostra, segundo ele, que o trabalho está sendo feito e a audiência é apenas a colheita de tudo isso. Sobre o Estado registrar, pela primeira vez, um centro socioeducativo sem internações, o sentimento é de dever cumprido.

“O que fica é a esperança que eu vi nos olhos dos adolescentes que me relatavam sobre seus sonhos do futuro. É a esperança no trabalho realizado pelos agentes socioeducativos, pelos psicólogos, pelos professores, pelos assistentes sociais, pela equipe de saúde, pela equipe municipal também, que prestou todo o apoio e ainda assim ressaltando mais uma vez o papel do Ministério Público e da Defensoria Pública, que não negou esforços à realização desses atos. Então, cristalizados nessas audiências concentradas e sem ressalva de que, na verdade, não há conivência alguma, não há parcimônia alguma, mas apenas um reconhecimento do esforço do trabalho realizado por mais de um ano por esses adolescentes, nesse sentido de esperança que todos nós devemos ter de dias melhores”, finaliza.

São diversos projetos em parceria com diversos órgãos da rede voltada para a ressocialização esses jovens. Foto: cedida

O promotor de Justiça de Sena Madureira, Júlio César de Medeiros, completa afirmando que as audiências concentradas são essenciais e um excelente mecanismo para garantir a celeridade nos casos envolvendo internações em centros socioeducativos:

“O Ministério Público tem acompanhado o cumprimento dessas medidas, principalmente o seu caráter socioeducativo, não apenas de punição, pela retribuição, pelo ato infracional praticado, mas também de prevenção, educação e de ressocialização, que é o que é cobrado principalmente nessas audiências concentradas, como condição para eventual desinternação, que é a evolução no cumprimento da medida socioeducativa”.

A aposta nos estudos e a união dos poderes para que, de fato, haja a ressocialização, para ele revela uma engrenagem que funciona em prol de fazer funcionar realmente o sistema de recuperação desses jovens.

“Se mostra a importância dessa integração em relação a todos os poderes envolvidos, visando justamente estabelecer para cada caso a melhor solução, já que muitas vezes um laço familiar forte, verdadeiro, vai impactar ainda mais na restauração, na ressocialização desse adolescente, razão pela qual, nesses casos, nós vislumbramos que a internação, a medida cumprida entre muros, acaba perdendo o seu caráter, a sua finalidade principal, que é justamente a nossa educação. A desinternação é um momento ainda melhor para aquele adolescente e para a própria sociedade, que vai poder vê-lo reintegrado e já com laços familiares restabelecidos”, pontuou o promotor.

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