Em meio à dor, veio a criação, o olhar aguçado e a vontade de contribuir com o desenvolvimento sustentável por meio da arte. Assim ocorreu com Valdiza Moniz, de 52 anos, que encontrou no artesanato o refúgio para enfrentar o luto pela morte do pai, no início de 2020, e o isolamento social ocasionado pela pandemia de Covid-19.
Ela é acreana, professora e servidora pública do Tribunal de Contas do Estado do Acre (TCE-AC). No mês em que o planeta é convocado a preservar o meio ambiente, Valdiza contou como o uso sustentável da natureza na arte mudou a vida dela, bem como a forma de enxergar o mundo e a de lutar, inclusive, contra os próprios medos.
Sem formação na área ou patrocínio inicial, a artista começou a recolher resíduos naturais e recicláveis nas ruas de Rio Branco e a transformá-los em peças únicas de artesanato sustentável, algumas já reconhecidas e enviadas para fora do estado.
“Eu troquei meu carro fechado por uma caminhonete só para poder catar com mais facilidade. Saía do tribunal e ia direto pra rua. Meus colegas até brincavam. No começo eu catava sem saber o que ia fazer. Agora não: eu olho e já vejo o que aquilo pode virar. É como se o olhar fosse se educando”, falou.
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Arte que vem do chão
Buriti, castanha, sementes, folhas secas, cascas de côco, palha de milho e até partes de móveis descartados. Nada escapa do olhar da artista, que foi sendo treinado aos poucos. O que para muitos seria lixo, para ela são insumos criativos.
“Antes disso, eu não tinha todo esse olhar para a natureza, eu não via [que] tanta coisa que vai para o lixo poderia virar renda, emprego. Eu vejo possibilidade, sim, de desenvolvimento sustentável com peças que são feitas com tudo o que a gente tem aqui, de forma bem abundante”, complementou.
E é a partir desse olhar artístico e consciência ambiental que Valdiza produz quadros, arranjos florais com folhas desidratadas e até presépios temáticos com animais da fauna amazônica. Um deles, feito sob encomenda para uma clínica veterinária, incluiu capivaras, gatos e cachorros.
“Eu faço todo o processo: recolho, higienizo, impermeabilizo. É demorado, mas essencial. Um quadro como o mapa do Acre, por exemplo, leva cerca de cinco horas de produção, desde que o material já esteja limpo”, explicou.
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Aliado ao bem-estar
Atualmente, Valdiza tem um ateliê. Mas o começo de tudo não foi assim. Todo o processo, que inclui o preparo do material até a confecção, era feito na própria residência dela. A inspiração, segundo ela, é a peça-chave para a produção.
“No pós-pandemia, todo mundo ficou no cenário de sobreviventes de guerra. Eu me identifiquei tanto com o artesanato que eu vi nele uma possibilidade de, por trabalhar muito com a mente, dar uma aliviada nos meus pensamentos. Consigo controlar a ansiedade quando estou criando, quando estou pensando”, falou
Após ver que familiares e amigos o apoiaram com a prática, ela começou a querer empreender com as artes. Então, Valdiza participou do projeto Inova Amazônia em 2021, iniciativa focada no fomento à bioeconomia e inovação na região amazônica, por meio de exposições de negócios e discussões de práticas que respeitem os ecossistemas e as comunidades locais.
“No final de 2020, eu passei num processo seletivo do Inova Amazônia, do Sebrae. E aí, tivemos toda a questão de palestras, oficinas e uma espécie de incentivo para que a gente desenvolvesse uma startup. Eu segui nessa linha do artesanato com os recursos da natureza, desidratados, cascas de palmeiras. Então, hoje eu faço de tudo”, complementou.
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Como parte do projeto, ela passou a ministrar cursos para compartilhar a arte e ajudar mais mulheres a desenvolver o dom do artesanato. As oficinas, todas gratuitas, são formas de democratizar o conhecimento, gerar renda para outras mulheres e de espalhar uma nova cultura de consumo.
“Nunca cobrei pelas oficinas, nem pelo material. Tenho tudo armazenado em várias etapas. A ideia é mostrar que é possível criar coisas lindas com o que temos aqui […] é uma forma de mostrar que o Acre também produz arte com identidade própria. Minhas peças, ninguém vai encontrar igual por aí”, diz.
Conexão com o meio ambiente e com o futuro
Com o passar dos anos, a partir das experiências obtidas, Valdiza melhorou as técnicas e, nesta nova fase da vida, não se vê mais sem o artesanato.
“Eu acho que essa possibilidade de você criar no olhar, isso não tem preço. A arte me salvou, e agora quero que ela salve outras pessoas também”, disse.
A história dela mostra que da perda pode nascer propósito, e da simplicidade, inovação. Mais que peças artesanais, ela produz identidade, pertencimento e uma nova forma de se conectar com o meio ambiente por meio de descartes naturais.
“Quero compartilhar o que sei. Que outras pessoas, especialmente mães que precisam complementar renda, possam também produzir e vender. Eu fico com as peças mais exclusivas, e elas com as mais comerciais. Todo mundo ganha”, complementou.
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