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De notícias falsas à minuta: veja o roteiro do golpe segundo a PGR

Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira, 3, o julgamento do inquérito que investiga a trama golpista e que tem o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) réu, apontado como o articulador do plano. Bolsonaro responde por cinco crimes e as penas podem somar 43 anos de prisão. 

Para a Procuradoria-Geral da República (PGR), o ex-presidente participou ativamente na elaboração da minuta do golpe para evitar a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A denúncia, oferecida em fevereiro deste ano, narra a trajetória golpista desde o período pré-eleitoral, com a disseminação de notícias falsas, até os ataques de 8 de janeiro contra os Três Poderes. 

Na denúncia oferecida em fevereiro deste ano, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, afirmou que o plano golpista começou ainda em 2020, no meio da pandemia, quando Bolsonaro tinha apenas um ano de mandato. Na ocasião, a cúpula bolsonarista já tentava encontrar meios para descredibilizar as urnas eletrônicas em meio ao avanço do inquérito das fake news, no STF, que investigava a criação de um “gabinete do ódio” no Palácio do Planalto. 

Em 2021 e 2022, o grupo teria ganhado corpo, com a participação de ministros palacianos nas articulações para o plano golpista. Entre eles estavam Walter Braga Netto (Casa Civil e Defesa), Anderson Torres (Justiça), Augusto Heleno (GSI) e Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), todos réus no inquérito da trama golpista. 

Para a PGR, os ministros colaboraram na divulgação de notícias falsas contra o sistema eleitoral brasileiro e informações inverídicas contra ministros da Suprema Corte. Ainda são réus no processo o ex-ajudante de ordens Mauro Cid, apontado como pessoa-chave no roteiro, o deputado federal Alexandre Ramagem e o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos. No total, 31 pessoas são alvos do processo, divididos em quatro núcleos. 

O grupo ainda foi o responsável pela elaboração da minuta golpista para a decretação de medidas para derrubar as eleições de 2022 e criar um grupo provisório para eleições composto apenas por militares. A PGR afirma que Bolsonaro editou o texto, que previa também a prisão de autoridades, como o ministro Alexandre de Moraes, do STF. 

Veja o roteiro do golpe de acordo com PGR 

De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), o roteiro golpista começou em março de 2020, quando o então diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e hoje deputado federal, Alexandre Ramagem (PL-RJ), acionou o major da reserva Angelo Martins Denicoli para a criação de um grupo técnico para investigar e encontrar irregularidades que pudessem descredibilizar as urnas eletrônicas. Dois meses depois, um documento “PR Presidente”, que serviria como orientações para Bolsonaro apontar inconsistências no sistema eleitoral, foi criado. 

Cerca de um ano depois, foi enviado outro documento para subsidiar as falas de Bolsonaro sobre o tema. O texto, segundo a PGR, foi editado por Ramagem cerca de duas semanas antes de uma live de Bolsonaro em que ataca as urnas eletrônicas e ministros do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A gravação teve o então ministro da Justiça Anderson Torres como coadjuvante, em que repassava supostas recomendações da Polícia Federal. 

Jair Bolsonaro manteve a narrativa de fraudes no sistema eleitoral durante todo o ano de 2021, com apoio de ministros de seu governo, responsáveis por divulgações de informações falsas nas redes sociais. O ex-presidente ainda intensificava seus ataques à Suprema Corte, com foco em Moraes, relator do inquérito das fake news, que investigava o “gabinete do ódio” no Palácio do Planalto. 

A PGR ainda aponta uma reunião ministerial no dia 5 de julho de 2022 como uma das provas para incriminar o núcleo crucial do golpe. De acordo com a denúncia, Bolsonaro pressionou o alto escalão do Planalto a multiplicar os ataques às urnas, enquanto o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Augusto Heleno disse que a vitória de Lula instalaria um caos no Brasil e que “o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições”. No encontro, aliados ainda instigaram uma ação das Forças Armadas para virar o resultado das urnas em caso de vitória do petista. 

Na semana seguinte, Bolsonaro reuniu embaixadores no Palácio do Planalto para atacar as urnas eletrônicas e descredibilizar o sistema eleitoral brasileiro. O encontro foi transmitido pela internet e pela estatal TV Brasil. A reunião provocou a condenação do ex-presidente à inelegibilidade até 2030 no TSE. 

Após o resultado do primeiro turno, o grupo trocou diversas mensagens articulando medidas para atrapalhar a segunda etapa do pleito. Uma das ideias era questionar a quantidade de inserções disponibilizadas para Lula e Bolsonaro durante a campanha. A denúncia foi feita pelo então ministro da Comunicação Fábio Faria, mas a falta de embasamento no levantamento fez a própria cúpula bolsonarista desistir da estratégia. 

Paulo Gonet julgamento do golpe de Estado

O procurador-geral da República, Paulo Gonet, afirmou que a reunião entre Bolsonaro com a cúpula militar já é indício de que plano golpista estava em curso

No dia do segundo turno, aliados do ex-presidente partiram para uma segunda estratégia. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) realizou blitzes em regiões que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) venceu no primeiro turno. A operação foi derrubada após uma determinação do ministro Alexandre de Moraes, à época presidente do TSE. 

Após a derrota de Bolsonaro para o petista, o grupo ainda tentava encontrar medidas para reverter o cenário, como a cobrança para encontro de inconsistências nas urnas eletrônicas. Enquanto isso, o ex-presidente se manteve em silêncio e recluso no Palácio do Alvorada. 

Dias depois, as Forças Armadas atestaram a confiabilidade das urnas em um relatório junto ao Ministério da Justiça. Em delação premiada, Mauro Cid afirmou que Bolsonaro pressionou para alterar o documento para questionar a confiança no equipamento. 

Sem sucesso, aliados do ex-presidente se dividiram em dois grupos para encontrar alternativas e reverter o quadro. De um lado estava a cúpula ligada a Bolsonaro, que criou uma minuta golpista para invalidar as eleições. A PGR aponta, com base na delação de Cid, que Bolsonaro editou o texto e se reuniu com chefes das Forças Armadas em dezembro de 2022 para pressionar a adesão ao golpe. O ex-presidente recuou após a recusa dos ex-chefes do Exército e da Marinha. 

Em paralelo, outro grupo, comandado pelo general Mário Fernandes, ex-número 2 da Secretária-Geral da Presidência, articulou um plano para matar Moraes, Lula e o vice-presidente Geraldo Alckmin no dia da diplomação dos eleitos no TSE. O plano não foi para frente após militares informarem que as Forças Armadas não iriam aderir ao tento golpista. 

A denúncia ainda narra os ataques de aliados bolsonaristas aos chefes das Forças Armadas, além da ida de Bolsonaro para os Estados Unidos. Para a PGR, a cadeia de eventos foi o estopim para os ataques de 8 de janeiro de 2023 aos prédios dos Três Poderes. 

Veja a ordem cronológica dos fatos, segundo a PGR

Fase Preparatória e Articulação da Narrativa (Março de 2020 a Outubro de 2022)

Ações Pós-Eleições e Tentativa de Golpe (Outubro de 2022 a Janeiro de 2023)

  1. Publicação do Relatório do Ministério da Defesa: O Ministério da Defesa publica tardiamente seu relatório de fiscalização do sistema eletrônico de votação. Mauro Cid confirma que Jair Bolsonaro tentou interferir na conclusão das Forças Armadas de que não havia fraude. No dia 10.11.2022, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira divulga uma nova nota ambígua, insinuando que a possibilidade de fraude não havia sido descartada.
  2. Criação do Plano “Punhal Verde Amarelo”: Este plano, identificado em dispositivo eletrônico de Mário Fernandes, é criado e impresso no Palácio do Planalto, visando a “neutralização” de autoridades públicas como o Ministro Alexandre de Moraes e os eleitos Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin Filho. O plano previa monitoramento de locais de frequência, itinerários, e admitia a possibilidade de mortes. O documento foi levado ao Palácio da Alvorada para Bolsonaro.
  3. Carlos Rocha recebe mensagens de Tony Calleri França, engenheiro do ITA, que categoricamente afasta a tese de fraude nas urnas.
  1. Hélio Ferreira Lima e Rafael Martins de Oliveira se conectam a antenas em Brasília, iniciando o monitoramento de locais sensíveis, como a residência do Ministro Alexandre de Moraes.
  1.      Reunião de “Kids Pretos”: Militares com formação em Forças Especiais se reúnem em Brasília para discutir como influenciar seus chefes a aderir às iniciativas golpistas.
  2.     “Carta ao Comandante do Exército”: Uma minuta desta carta é enviada por Corrêa Neto a Fabrício Bastos, para ser referendada na reunião. O objetivo era pressionar o Alto Comando do Exército. A reunião estabeleceu ideias-força, como a criação de um “Gabinete de Crise” e a necessidade de o Exército falar com os Presidentes dos Poderes Legislativo e Judiciário, elegendo o Ministro Alexandre de Moraes como “centro de gravidade”.
  3.     Paulo Figueiredo antecipa o conteúdo da carta em programa de rádio/TV, buscando incitar os militares e descredibilizar os dissidentes.
  1.     Jair Bolsonaro se reúne com Marcelo Câmara, Filipe Garcia Martins Pereira e Braga Netto no Palácio da Alvorada para dar seguimento ao plano.
  2.     Mauro Cid informa o General Freire Gomes que Bolsonaro “enxugou” o texto do decreto e convocou uma reunião com o General Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira (Comandante do COTER), buscando seu apoio.
  3.     General Estevam Theophilo se reúne com Bolsonaro no Palácio da Alvorada. Mauro Cid e Corrêa Netto trocam mensagens sobre a reunião. Mauro Cid informa que Estevam Theophilo “quer fazer… Desde que o Pr assine”, indicando seu compromisso de executar as medidas golpistas caso o decreto fosse assinado.
  4.     Terminais com codinomes Argentina, Áustria, Brasil e Gana são recarregados com crédito, parte da preparação para a “Operação Copa 2022”.
  1.     Execução e Aborto da Operação “Copa 2022”: Agentes militares (codinomes Brasil, Argentina, Áustria, Gana), incluindo Rafael Martins de Oliveira, deslocam-se de Goiânia para Brasília para executar o plano de “neutralização” do Ministro Alexandre de Moraes, monitorando sua residência funcional e locais de trabalho. A operação é cancelada às 20h59 com a ordem “Abortar”, coincidindo com a confirmação de que o Comando do Exército não aderiu ao golpe. Os operadores não conseguiram cooptar o Comandante do Exército na última hora.
  2.     Lucas Rotilli Durlo busca orientações de Mário Fernandes após cumprimento de mandados de busca e apreensão, perguntando até quando o grupo deveria permanecer mobilizado.

• 8 de Janeiro de 2023: Ocorrem os eventos criminosos na Praça dos Três Poderes. A denúncia afirma que a ausência de medidas efetivas por parte da Secretaria de Segurança Pública do DF frente a alertas explícitos não pode ser atribuída à falta de preparo, mas à intenção de legitimar um ato de exceção, como o Estado de Defesa, já idealizado por Anderson Torres

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