O Juruá Em Tempo

“Era um sonho que estava adiado”, diz paciente após primeiro transplante de tecido ósseo no Acre

A história da medicina no Acre ganhou um novo marco com a realização do primeiro transplante de tecido ósseo no estado. O procedimento foi realizado no Hospital das Clínicas de Rio Branco e teve como paciente a acreana Nerian Brito da Rocha Sabóia de Araújo, de 45 anos, que aguardava há mais de dez anos por uma solução definitiva após um acidente de trânsito.

A cirurgia foi conduzida pelo ortopedista Nelson Marquezine, que atua em inovações na área desde 2002. “O transplante de tecidos ósseos é voltado para pacientes que perderam grandes quantidades de osso, em situações em que o próprio organismo não consegue suprir. Antes, era preciso viajar para outros estados, ficando anos afastados da família e do trabalho. Agora, podemos oferecer esse tratamento aqui”, explicou o médico.

Um caminho de espera

Nerian foi atropelada em 2014 por um motorista embriagado enquanto fazia caminhada. “Sofri fraturas nas duas pernas, sendo que na direita tive fratura exposta na tíbia. Fiquei em cadeira de rodas por um tempo, usei fixadores e passei por vários enxertos, mas não consegui recuperar o osso. Faltavam sete centímetros de tíbia, e minha perna não tinha estabilidade. Era mole, solta”, contou.

Ao longo dos anos, a paciente passou por 13 cirurgias e chegou a ser encaminhada para tratamento fora do estado, mas interrompeu o processo ao descobrir a gravidez. “Sem condições financeiras de me manter em outro estado com uma criança pequena, adiei a cirurgia. Eu sonhava em fazer, mas parecia distante”, disse.

O anúncio de que seria a primeira paciente a receber o transplante no Acre ocorreu durante uma consulta de rotina. “Chorei bastante, fiquei muito emocionada. Era um sonho que estava adiado”, relatou Nerian.

Cirurgia e recuperação

Segundo o ortopedista, o caso exigia uma técnica inovadora. “Ela já havia passado por inúmeras cirurgias, inclusive com retirada de enxertos da bacia e transporte ósseo, mas sem sucesso. O transplante era a alternativa eficaz. A cirurgia foi trabalhosa, pois operamos uma região já manipulada diversas vezes, mas ocorreu sem intercorrências”, afirmou Marquezine.

Nelson Marquezine foi o responsável pela cirurgia de Nerian/Foto: Cedida

Três meses após a cirurgia, a paciente comemora os avanços. “Graças a Deus, minha recuperação tem sido ótima. Já estou fazendo fisioterapia e hidroginástica. Hoje dependo de muletas, mas a expectativa é voltar a andar sozinha, sem precisar de aparelhos”, disse.

Além da melhora física, Nerian ressalta a importância do momento em sua vida pessoal. “Nunca pude carregar minha filha no colo, nem amamentar por causa das medicações. Hoje sou viúva, e meus dois filhos são tudo para mim. Quero viver momentos com eles que ainda não pude viver, como passeios, viagens e brincadeiras. Minhas expectativas são grandes.”

Um marco para o Acre

O ortopedista reforça que o caso abre portas para outros pacientes. “Esse foi o primeiro de muitos. Já temos mais quatro pacientes na lista para este ano. Não é apenas um marco para o Acre, mas para toda a região Norte, mostrando que podemos oferecer procedimentos semelhantes aos grandes centros”, disse.

A presidente da Fundação Hospitalar do Acre (Fundhacre), Sóron Steiner, destacou a importância do momento no contexto do transplante no estado. “Setembro é um mês muito especial para todos nós que fazemos parte da Fundação Hospitalar. Somos o único hospital transplantador do Estado e já realizamos 555 transplantes ao longo da nossa história, transformando vidas por meio da doação de órgãos e tecidos. Mas ainda temos um longo caminho pela frente, porque hoje, há 278 pacientes na fila de espera seja aguardando por um rim, fígado, córnea ou tecido ósseo. Por isso, reforçamos o lema da campanha Setembro Verde: Diga sim à doação de órgãos. Avise sua família e seja a razão do amanhã de alguém. É importante que todos saibam que a sua decisão pode significar esperança e recomeço para quem espera.”

Steiner destacou os avanços da Fundhacre na execução de transplantes/Foto: Gleison Luz/Fundhacre

O secretário de Saúde, Pedro Pascoal, também ressaltou o impacto da iniciativa. “Como médico e secretário de Saúde, eu sei o quanto um transplante pode significar na vida de um paciente e de toda a sua família. Nós temos feito um esforço muito grande no Acre para garantir que esse processo aconteça da forma mais rápida e segura possível. O Estado investe fortemente em logística, e contamos com o apoio da Secretaria de Justiça e Segurança Pública, por meio do CIOPAER, para viabilizar o transporte de órgãos na maioria dos casos. Mas é importante lembrar: todo esse trabalho só se concretiza quando existe a doação. Hoje, temos 278 pessoas na fila de espera por um transplante no Acre. Esse número poderia ser menor se as doações locais aumentassem. Por isso, reforçamos que o gesto de doar é um ato de amor que pode mudar completamente o destino de quem aguarda por uma nova chance.”

O secretário de saúde afirma que a fila seria menor caso existissem mais doadores/Foto: Gleison Luz/Fundhacre

Atualmente, o Acre registra 278 pacientes na fila de espera por transplantes. Desse total, 31 aguardam por rim, 29 por fígado, 210 por córnea e 8 por tecido musculoesquelético, evidenciando a demanda significativa por órgãos e tecidos no estado e a importância das políticas de doação e transplante para salvar vidas.

Gratidão e esperança

Nerian resume sua trajetória em uma palavra: gratidão. “Sou grata a Deus, à equipe médica, à Fundação Hospitalar e ao Estado por trazer esse tratamento para cá. Não é só para mim, mas para muitas pessoas que também precisam. Foi um sonho realizado”, afirmou.

Nerian sonha em ser mais presente na vida dos filhos depois da recuperação total/Foto: Cedida

Veja fotos do acidente e do processo de recuperação de Nerian:

•ContilNet

Sair da versão mobile