Treinadores cujos times adquirem identidades muito claras costumam ser tratados como fundamentalistas do estilo. Como se o propósito de suas equipes fosse satisfazer a própria vaidade, confirmar suas teses, antes mesmo de brigar por resultados. Em geral, é um equívoco de avaliação.
Claro que há técnicos preocupados com aspectos humanos do jogo, com a qualidade do espetáculo oferecido ao público. Certamente, Fernando Diniz está entre eles. Mas, em essência, ele é também um competidor. O modelo de suas equipes é, no fundo, a tradução de um conjunto de relações humanas e de ideias de jogo que, para ele, são o melhor — e talvez mais prazeroso — caminho para ganhar partidas e desenvolver jogadores.
Jogos como o de sábado ajudam a refletir sobre o tema. Diniz não deixou de ver futebol ao seu modo, de acreditar no controle da bola, na troca de passes, nas relações entre jogadores no campo. No entanto, entendeu que, para vencer o Cruzeiro, precisava fazer um exercício de adaptação. Não sabotou o jogo, não rasgou seus princípios, mas simplesmente se adaptou.
O Vasco, que em média fica com a posse de bola 55% do tempo em seus jogos, teve 47%. O time trocou 291 passes certos, contra uma média de 429 no Campeonato Brasileiro. E finalizou 12 vezes, dois arremates abaixo de sua média, contra 21 do Cruzeiro. Mas ganhou por 2 a 0 executando um plano que buscava anular as maiores vantagens que o rival poderia construir na partida.
A maior virtude do Cruzeiro é a capacidade de recuperar bolas e construir ataques rápidos, contra-atacar em poucos passes, chegar rapidamente ao gol rival. E, por vezes, este é um aspecto do jogo que o Vasco tem dificuldade de controlar. Então, a partida em São Januário, em que naturalmente os vascaínos são empurrados a ter iniciativa, apresentava uma armadilha.
O Vasco não renunciou ao jogo, tanto que construiu o 1 a 0 com traços do jogo de Diniz: concentrou jogadores na esquerda, inverteu a jogada para Paulo Henrique no lado direito e, do cruzamento, Rayan fez o gol. Mas, até ali, não era dominante. E, em muitos momentos, não se importou que o Cruzeiro tivesse mais volume. O compromisso do Vasco era evitar sofrer transições. O time foi disciplinado a evitar as perdas de bola que gerassem situações perigosas e, sempre que o rival tinha a bola, procurava se organizar atrás. A ideia era obrigar o Cruzeiro a atacar uma defesa montada, e poucas vezes uma defesa que estivesse correndo para trás.
É verdade que Philippe Coutinho fez excelente jogo com bola, fazendo o Vasco evitar sofrer longos períodos de pressão. Individualmente, foi o grande nome da vitória. Mas, sob o aspecto coletivo, o destaque do Vasco não foi o envolvimento, a criação de chances, as trocas de passes. Mas a organização defensiva, que vinha sendo uma dificuldade em alguns jogos, e a execução de um plano específico para o jogo. O que incluía saídas longas em diversos momentos, para “saltar” a ótima pressão ofensiva do Cruzeiro. Ou, como no segundo gol, ter uma transição ofensiva rápida, um contra-ataque eficiente.
O torcedor do Vasco tem motivos de ficar mais otimista. Cuesta e Robert Renan melhoraram a defesa, Coutinho vive grande momento e Rayan é uma força ofensiva admirável. O time cresceu, mas ainda tem limitações no seu elenco e, claro, segue sofrendo com oscilações no nível de jogo. Convém ter moderação, embora seja justo celebrar a vitória de sábado.
Quanto ao estilo, o futebol não tem receitas prontas. A hora de se adaptar ou de tentar impor a qualquer custo o seu modelo é uma questão de sensibilidade. Diniz tem ideias claras sobre futebol, o que não significa que recuse adaptá-las a diferentes contextos. No sábado, traçou seu plano e venceu.

