Um levantamento da Transparência Brasil mostra que, no ano passado, 98% dos promotores e procuradores de 25 unidades do Ministério Público da União e dos MPs estaduais receberam remuneração acima do teto estabelecido pela lei. O estudo aponta a consolidação de um “teto decorativo” nesses órgãos, com uma quantia “extrateto” equivalente a R$ 2,3 bilhões em recursos públicos destinados a pagamento de salários.
Os dados foram divulgados pelo Estadão e confirmados pelo GLOBO. Eles fazem parte do projeto DadosJusBr, voltado à extração e à análise de contracheques do sistema justiça. A ONG identificou ao menos 220 integrantes do MP que receberam entre R$ 500 mil e R$ 1 milhão acima do valor anualizado do teto constitucional. Isso, apesar de a Constituição firmar que o maior vencimento no funcionalismo não pode superar o que é pago aos ministros do Supremo Tribunal Federal — em fevereiro passado, R$ 44 mil; atualmente, R$ 46,3 mil.
A Transparência Brasil analisou as folhas salariais de 11.656 mil membros do MP em 25 unidades (21 estaduais e quatro da União) que divulgaram dados nominais e completos de cada um dos promotores e procuradores em 2024. E pinçou os casos daqueles que receberam, no ano, mais que o teto somado de R$ 525,7 mil. Os resultados, compilados a partir dos salários brutos, indicaram maior descontrole nos MPs estaduais que no MP da União.
Procurado, o CNMP ainda não se manifestou.
‘Teto decorativo’
O levantamento não leva em conta a gratificação natalina (equivalente ao 13º salário) nem o terço constitucional de férias, benefícios que somaram R$ 739 milhões adicionais nos salários de promotores e procuradores no ano passado. Outros R$ 1,4 bilhão pagos aos servidores (31% do montante total) não entraram no cálculo por não haver definição clara sobre a qual benefício se referiam — a ONG questionou a “opacidade” desses recursos.
Segundo a ONG, os furos no teto foram impulsionados sobretudo pelo benefício conhecido como licença compensatória ou gratificação por acúmulo de acervo — ao menos R$ 687 milhões foram pagos sob essa rubrica. (O benefício foi parar no STF, depois de um promotor aposentado de São Paulo pedir a suspensão do pagamento que lhe seria concedido.)
Ainda de acordo com o estudo, dos promotores e procuradores cujos vencimentos furaram o teto, em 77% dos casos houve “estouro” de mais de R$ 100 mil. Dez das 25 unidades do MP analisadas registraram valores anualizados acima do limite legal — Alagoas, Mato Grosso, Goiás, Amazonas, Ceará, Maranhão, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Rondônia e Acre.
Com exceção do Ministério Público Militar, todas as unidades do MP da análise pagaram salário bruto médio acima do teto constitucional, diz a Transparência Brasil. O Rio de Janeiro apresentou a maior média: R$ 76,2 mil.
O estudo não considerou o Ministério Público de Santa Catarina e do Mato Grosso do Sul porque ambos ocultaram a divulgação de nomes e matrículas do contracheque dos membros. Já as unidades do Pará, Roraima e Tocantins não foram consideradas por não terem publicado dados completos. Ao Estadão, os MPs de Acre, Mato Grosso, Rio de Janeiro e Goiás disseram agir conforme a Constituição do país.
Um estudo da Transparência Brasil de setembro mostrou que o fenômeno vai além dos MPs: pelo menos R$ 4,5 bilhões foram pagos a juízes e desembargadores acima do teto em 2024.
A remuneração de servidores é um dos pontos estruturais do projeto da reforma administrativa, concluído neste mês pelo relator, o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ). A proposta prevê a criação, em até dez anos, de uma tabela remuneratória única em cada ente da federação, válida para todos os Poderes e órgãos autônomos. O piso será o salário mínimo, e o teto corresponderá ao limite constitucional. A mudança busca acabar com distorções salariais entre carreiras equivalentes e com a multiplicação de gratificações e adicionais que hoje encarecem a folha de pagamento.
O relator diz que a tabela de remuneração é inegociável. De acordo com o Movimento Pessoas à Frente, a remuneração acima do teto está concentrada nos rendimentos do Judiciário, incluindo o Ministério Público. Levantamento da entidade, divulgado neste ano, aponta que as remunerações extrateto no Judiciário somaram R$ 10 bilhões em 2024.
A principal ação defendida pelo movimento para barrar os supersalários é colocar na lei a classificação correta de verba indenizatória, que deve ser uma remuneração de reparação, pontual e específica, e da verba remuneratória, vedando que os “penduricalhos” sejam criados por ato administrativo.
O texto prevê ainda que servidores cuja remuneração ou subsídio seja igual ou superior a 90% do teto constitucional só poderão receber, no total, até 10% do salário em auxílios de alimentação, saúde e transporte.

