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Israel anuncia retomada do cessar-fogo após série de bombardeios em Gaza; autoridades palestinas falam em mais de 100 mortos

O Exército de Israel anunciou nesta quarta-feira que o cessar-fogo na Faixa de Gaza foi retomado, após realizar uma série de bombardeios contra o enclave palestino desde o dia anterior, que mataram 104 pessoas, segundo o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas. Os ataques foram ordenados pelo primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, alegando violações do grupo terrorista palestino ao acordo obtido com mediação dos EUA, incluindo um incidente na devolução dos restos mortais de um refém e um ataque a tropas posicionadas no sul do enclave, que matou um soldado israelense.

“De acordo com as instruções do escalão político, e após uma série de ataques significativos, nos quais dezenas de alvos terroristas e combatentes terroristas foram atacados, as FDI [Forças Armadas de Israel] voltaram a aplicar o cessar-fogo em resposta às violações do Hamas”, informou o Exército em nota. “Como parte dos ataques, as FDI e o Shin Bet [serviço de inteligência interna], liderados pelo Comando Sul, atacaram mais de 30 terroristas no nível de comando das organizações terroristas que operam na Faixa de Gaza. As FDI continuarão a fazer cumprir o acordo e responderá com força a qualquer violação”.

O Ministério da Saúde de Gaza detalhou que dos 104 mortos durante os ataques israelenses, 46 eram menores de idade e 20 eram mulheres. O balanço aponta ainda mais de 250 feridos. Testemunhas em território palestino confirmaram bombardeios na Cidade de Gaza, Khan Younis (sul), Beit Lahia (norte) e em al-Bureij e Nuseirat (centro), relatando que áreas residenciais e escolas usadas como abrigo por palestinos deslocados foram atingidos.

— Houve explosões a noite toda — disse Khadija al-Housni, uma mulher palestina de 31 anos que vive em uma tenda no campo de refugiados de al-Shati, no norte de Gaza. — Tínhamos acabado de começar a respirar novamente, a tentar reconstruir nossas vidas, quando os bombardeios recomeçaram, trazendo de volta a guerra, as explosões e a morte.

Desde o início do cessar-fogo, assinado no Egito com a ajuda de negociadores dos EUA e do Catar, e participação de países influentes na região, Hamas e Israel trocaram acusações sobre violações à trégua estabelecida. A letalidade do ataque atual foi superior às anteriores, incluindo os bombardeios realizados no dia 19, que isoladamente mataram 44 pessoas, configurando a primeira ameaça à frágil configuração do acordo.

Mulheres palestinas choram no Hospital al-Shifa, em Gaza, que recebeu parte das vítimas dos bombardeios israelenses — Foto: Omar al-Qattaa/AFP
Mulheres palestinas choram no Hospital al-Shifa, em Gaza, que recebeu parte das vítimas dos bombardeios israelenses — Foto: Omar al-Qattaa/AFP

Autoridades americanas, que após o primeiro rompimento do acordo realizaram uma série de visitas a Israel, em uma operação de pressão sobre o governo do Estado judeu e de monitoramento do acordo, minimizaram as denúncias de violação aos termos durante os ataques de terça. O presidente dos EUA, Donald Trump, afirmou nesta quarta-feira que a ação israelense foi uma retaliação à morte de um soldado, o que não colocaria em risco o cessar-fogo — uma hipótese prevista nos termos atuais é que as tropas israelenses reajam a qualquer ameaça direta.

— Eles mataram um soldado israelense. Então os israelenses retaliaram. E eles devem retaliar — disse Trump a repórteres a bordo do Air Force One, enquanto cumpre agenda oficial pela Ásia. — O Hamas representa uma parte muito pequena da paz no Oriente Médio, e eles precisam se comportar. Eles disseram que se comportariam bem, e se se comportarem bem, ficarão satisfeitos, e se não se comportarem bem, serão eliminados.

O vice-presidente americano, JD Vance, que esteve recentemente em Israel, afirmou que o cessar-fogo ainda está em vigor, classificando os acontecimentos desta terça-feira como “pequenos embates aqui e ali”. Assim como Trump, o republicano disse crer que “a paz vai se manter apesar disso”.

O governo israelense apresentou duas justificativas ao ordenar os ataques na terça-feira. A primeira seria um incidente na devolução dos restos mortais de um refém, que imagens gravadas por drone mostraram que o homens do Hamas teriam enterrado em uma cova, para posteriormente indicar à Cruz Vermelha onde ele estaria. Além disso, exames mostraram que os restos pertenciam a um refém já dado como recuperado — algo que, segundo Israel, representou uma violação.

Somado ao caso envolvendo a devolução do corpo, as tropas israelenses acusaram o grupo palestino de abrir fogo contra tropas em Rafah, no sul do enclave, que estavam envolvidas em uma operação de desativação de um túnel. Homens armados teriam disparado contra os israelenses, inclusive com um míssil antitanque. Na manhã desta quarta-feira, os militares informaram que um soldado foi morto no ataque, identificado como Yona Efraim Feldbaum, de 37 anos, operador de máquinas-pesadas na Divisão de Gaza.

O Hamas negou ter atacado as tropas israelenses em Rafah. Em um comunicado, o grupo palestino disse não ter “nenhuma ligação com o incidente de tiroteio”, reafirmou “seu compromisso com o cessar-fogo” e acusou o Estado judeu de ter violado os termos com seus ataques. Ainda na véspera, o braço armado do grupo, a Brigada Ezzedine al-Qassam, anunciaram que adiariam a entrega dos restos mortais de mais um refém, que estava prevista para ocorrer ontem, em face dos ataques.

Linha-dura

O governo Netanyahu enfrenta uma pressão interna de grupos da sociedade civil e setores do governo para garantir que o Hamas devolva os restos mortais dos reféns assassinados em Gaza rapidamente, algo que o grupo diz ter dificuldade, pelos danos sofridos ao longo de dois anos de guerra. Em meio ao ambiente interno conturbado, defensores de uma abordagem linha-dura contra o Hamas tentam fazer com que não haja qualquer tipo de flexão ao lado palestino.

O ministro da Segurança Interna de Israel, Itamar Ben Gvir, criticou Netanyahu por suspender os ataques e não retomar a “guerra em larga escala” em Gaza, após o Exército israelense anunciar o retorno ao cessar-fogo.

“Mais uma vez, o Hamas assassina um de nossos soldados durante um ‘cessar-fogo’, e mais uma vez, o primeiro-ministro opta por encerrar o incidente com uma ‘resposta comedida’ e um retorno imediato ao cessar-fogo, enquanto continua permitindo a entrada de ajuda ‘humanitária’, em vez de retornar à guerra em grande escala e se esforçar para alcançar rapidamente o objetivo principal: a destruição do Hamas”, escreveu Ben Gvir em uma publicação no X.

O líder de extrema direita não foi o único a endurecer o discurso sobre o Hamas. O ministro da Defesa israelense, Israel Katz, integrante do partido de Netanyahu, o Likud, afirmou nesta quarta-feira que o Estado judeu não concordaria em oferecer anistia aos líderes do grupo palestino — um dos pontos listados por Trump para a paz em Gaza, que deve ser discutido em futuras fases do acordo (provavelmente em paralelo à discussão sobre o desarmamento do Hamas).

“Não há e não haverá imunidade para ninguém na liderança da organização terrorista Hamas, nem para aqueles que vestem terno, nem para aqueles que se escondem em túneis”, disse Katz em um comunicado. “Qualquer um que levantar a mão contra soldados [israelenses] terá a mão decepada”. (Com AFP)

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