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‘Sou feirante: era o que eu podia dar, mas ele não quis’, desabafa pai ao reconhecer corpo do filho, morto em megaoperação no Rio

Cláudio Lima, de 45 anos, se apoia nas grades que cercam o Instituto Médico-Legal (IML) na esperança de liberar o corpo do filho, encontrado morto, com o rosto desfigurado, após mais de 24 horas de buscas. A procura por Hércules Célio Lima, de 23 anos, começou na madrugada de quarta-feira, após o fim da megaoperação que deixou 121 mortos nos complexos da Penha e do Alemão, na Zona Norte do Rio. A busca terminou quando o feirante recebeu, pelo WhatsApp, um vídeo em que apareciam alguns corpos sem vida — entre eles, o de seu único filho.

Quando soube da morte de Hércules, Cláudio estava na Vacaria, uma região de mata localizada entre os complexos da Penha e do Alemão, que se tornou conhecida por ser o principal ponto de encontro de corpos após a Operação Contenção. Ainda eram as primeiras horas da manhã de quinta-feira quando, em um dos grupos de WhatsApp, ele abriu o vídeo que mudaria sua vida para sempre.

— Na procura, você vai vendo todos esses vídeos e imagens que circulam nas redes. Dessa vez, em um deles que mostrava alguns corpos no chão, estava o meu filho. Mesmo do jeito que estava, é o tipo de coisa que você não erra. Era ele — contou Cláudio.

Ao se recompor, ligou para a irmã e pediu ajuda para ir até o IML, no Centro do Rio, a fim de identificar e liberar o corpo do jovem.

— Minha irmã está lá dentro agora, enquanto espero um pouco por aqui. Não é fácil, estou vindo direto da mata. É difícil até falar — disse o feirante, emocionado.

Hércules Celio Lima — Foto: Acervo Pessoal
Hércules Celio Lima — Foto: Acervo Pessoal

Morador da Vila Cruzeiro, uma das comunidades que formam o Complexo do Alemão, Cláudio criou o filho com o apoio da mãe. Feirante, tentou fazer com que Hércules trabalhasse com ele no sacolão de onde tira o sustento, mas não teve sucesso.

Com o olhar distante e a fala marcada por longas pausas, Cláudio lembra que o filho costumava ser companheiro e tranquilo, mas, por volta dos 18 anos, começou a demonstrar revolta com a vida. Foi então que se aproximou de pessoas fora do círculo familiar e acabou entrando para o crime organizado.

Foram cinco anos de tentativa — 1.826 dias de apelos e conversas — para tentar convencê-lo a mudar de caminho. A luta terminou nesta semana.

— Eu sou feirante, o que eu tinha pra oferecer pra ele era isso. Ele não quis. Já era um homem, maior de idade, e respondia pelas próprias escolhas. Não entendo o porquê desse caminho. Pai nenhum quer ver o filho seguir assim. Mas era meu filho, era eu e ele. Agora, faço o quê? — desabafou.

Cláudio contou ainda que, embora nos últimos tempos não morassem juntos — Hércules vivia com a avó —, pai e filho continuavam próximos e se falavam com frequência.

Agora, os momentos entre os dois se tornaram lembrança. Entre a tristeza e a solidão, Cláudio ainda encontra forças para um breve sorriso ao lembrar da paixão do filho pelo Fluminense. Hércules vestia a camisa tricolor das Laranjeiras quando foi encontrado sem vida.

O corpo de Hércules foi liberado para o enterro no fim da quinta-feira.

Operação Contenção

A ação, realizada pelas polícias Civil e Militar, deixou 121 mortos confirmados, sendo quatro policiais e 115 suspeitos de envolvimento com o tráfico, segundo as corporações. Outros 113 presos e 10 adolescentes apreendidos também foram contabilizados, além da apreensão de 118 armas — entre elas 91 fuzis.

Considerada a mais letal da história do país, a Operação Contenção teve como alvo criminosos ligados ao Comando Vermelho (CV). Segundo o secretário de Polícia Civil do Rio, Felipe Curi, o número de mortos ainda pode aumentar, já que os corpos são registrados conforme dão entrada no IML ou em unidades hospitalares.

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