Três décadas depois do massacre do Carandiru, que deixou 111 presos mortos em São Paulo e se tornou símbolo da violência policial no país, o Brasil volta a registrar uma tragédia sem precedentes. A megaoperação policial no Complexo da Penha e no Alemão, no Rio de Janeiro, ultrapassou o episódio de 1992 em número de vítimas e passou a ser considerada a mais violenta da história nacional — ainda que os dois casos envolvam contextos muito diferentes: um dentro do sistema prisional, outro em plena área urbana, em confronto direto com o tráfico de drogas.
De acordo com dados oficiais publicados ainda na terça, 64 pessoas morreram — 60 apontadas como criminosos e 4 policiais. No entanto, o número pode ser ainda maior. Durante a madrugada desta quarta-feira, moradores da Penha levaram ao menos 64 corpos para a Praça São Lucas, na Estrada José Rucas. Segundo a Polícia Militar, os corpos não estão incluídos no balanço divulgado na véspera. Ao todo, ao menos 128 suspeitos morreram.
Peritos trabalham para identificar as vítimas e apurar se essas mortes estão ligadas à operação, que mobilizou 2,5 mil agentes e foi planejada ao longo de dois meses para conter a expansão do Comando Vermelho, principal facção do tráfico no Rio.
De Carandiru à Penha: a história que se repet
O massacre do Carandiru, em 1992, marcou o auge da repressão policial no sistema prisional brasileiro. Naquele dia, 341 policiais da Tropa de Choque invadiram o Pavilhão 9 da Casa de Detenção em São Paulo para conter uma rebelião.
Foram disparados 3,5 mil tiros em 20 minutos, deixando 111 presos mortos, muitos deles executados à queima-roupa. O episódio virou livro, filme e símbolo internacional da violência institucional no Brasil.
Agora, em 2025, o país revive o mesmo espanto. A operação na Penha e Alemão, oficialmente voltada ao combate ao tráfico, teve níveis de letalidade superiores aos de qualquer confronto urbano registrado anteriormente. Moradores relatam corpos espalhados por áreas de mata, como a Serra da Misericórdia, e denunciam execuções e desaparecimentos.
O governo estadual classificou a ação como uma “operação contra narcoterroristas”, expressão usada pelo governador Cláudio Castro para justificar o alto número de mortes. A retórica, porém, foi criticada por entidades de direitos humanos, que alertam para o risco de banalização do uso da força letal e reprodução de padrões históricos de extermínio.
Mudança no conflito
A operação marca uma mudança no padrão de enfrentamento entre as forças de segurança do Rio e as facções criminosas. Em uma demonstração inédita de poder bélico, traficantes utilizaram drones para lançar granadas contra equipes das forças especiais da Core e do Bope, cenário típico de guerra. Para esse “bombardeio”, os criminosos acionam um gatilho mecânico ou elétrico que libera a carga enquanto mantêm o equipamento em voo, afastando-se sem se expor.
Além disso, em outro sinal de uma escalada nos confrontos, o governo estadual declarou que não tem condições de atuar sozinho e que o conflito ultrapassou o âmbito da segurança pública tradicional. A ação resultou em 81 prisões e na apreensão de 42 fuzis.

