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Da Ilha Grande à fronteira amazônica: a trajetória do Comando Vermelho e seu domínio no AC

Criado no período da ditadura militar, dentro do Instituto Penal Cândido Mendes, em Ilha Grande (RJ), o Comando Vermelho (CV) surgiu nos anos 1970 a partir da convivência de detentos comuns com prisioneiros políticos. O embrião da facção foi um grupo chamado “Falange da Segurança Nacional”, formado por presos que passaram a se organizar para exigir direitos e melhores condições nas cadeias, inspirados pela militância de esquerda presente no local.

Inicialmente, o coletivo passou por mudanças internas e adotou o nome Falange Vermelha, termo que depois foi popularizado pela imprensa como Comando Vermelho. Um dos fundadores, William da Silva Lima, o Professor, narra no livro “400 x 1 – Uma história do Comando Vermelho” que a ideia inicial era estabelecer regras internas e fortalecer a união entre os detentos para enfrentar a realidade carcerária.

Com a Lei da Anistia de 1979, os presos políticos deixaram o sistema penitenciário, enquanto os integrantes da Falange permaneceram. Sem o vínculo com pautas sociais, a facção direcionou seus esforços para fugas e atividades criminosas. Na década de 1980, o grupo passou a financiar grandes resgates em presídios e migrou dos assaltos a banco para o tráfico de drogas, aproveitando a expansão da cocaína na Colômbia e a posição estratégica do Brasil para o envio da droga à Europa.

A proteção das rotas ilícitas impulsionou a aquisição de armamento pesado e a intensificação das disputas territoriais, envolvendo inclusive setores corruptos da segurança pública. O Rio de Janeiro viveu recordes de violência nos anos 1990. As tentativas de isolar lideranças em presídios de outros estados acabaram contribuindo para a disseminação da ideologia e dos métodos da facção, que se expandiu para outros territórios com uma estrutura descentralizada, baseada em chefias locais autônomas.

Hoje, estudos sobre segurança apontam que o Comando Vermelho atua em 25 estados brasileiros. A organização diversificou suas fontes de renda e passou a atuar em mercados ilegais como ouro, combustíveis e tabaco, movimentando bilhões — somente em 2022, esses setores giraram cerca de R$ 146 bilhões. O avanço tecnológico também entrou no radar da facção, com uso de impressoras 3D para fabricação de armas, drones com explosivos e até instalações clandestinas capazes de produzir armamentos em larga escala, descobertas pela Polícia Federal em 2024 no Rio.

Expansão para o Acre

A chegada do CV ao Acre ocorreu em 2011, dentro da disputa por rotas estratégicas da Amazônia, região que faz divisa com Peru e Bolívia, grandes produtores de cocaína. No início, houve uma convivência pacífica com o PCC (Primeiro Comando da Capital), que já atuava no estado, mas essa aliança durou até 2016.

O coordenador do Gaeco do Ministério Público do Acre, promotor Bernardo Albano, explica que o CV consolidou sua presença no estado dois anos depois do PCC:

“O Comando Vermelho começou a batizar acreanos aqui no estado a partir de novembro de 2013, portanto depois do PCC, que chegou no estado mais ou menos em 2011, e do B13, que foi fundado em junho de 2013. O Comando Vermelho cresceu no estado principalmente com uma política mais elástica, sem restrições de batismo com relação a integrantes, e conviveu em aliança com essas outras organizações criminosas até 2016, quando, a partir da morte do ocorrido lá em Pedro Juan Caballero, tivemos uma polarização entre as organizações”, explicou Albano.

O cenário mudou após a ruptura entre as facções. O promotor detalha:

“As organizações criminosas ficaram divididas, com o B13 e o PCC de um lado e o Comando Vermelho do outro. No Acre, o Comando Vermelho conseguiu se consolidar como a organização criminosa majoritária, não só no estado, mas praticamente em todo o Arco Norte”, afirmou.

A cisão teve como pano de fundo o assassinato de Jorge Rafaat Toumani no Paraguai, em uma emboscada atribuída ao PCC. Com o avanço paulista sobre a chamada “rota caipira”, o CV reforçou sua entrada pela Amazônia para disputar a “rota Solimões”, importante corredor do narcotráfico internacional.

O embate provocou alta acentuada nos índices de violência no Acre. Entre 2015 e 2017, o estado dobrou o número de homicídios e chegou à segunda maior taxa do Brasil, com 63,9 assassinatos por 100 mil habitantes.

Hoje, a facção domina o crime organizado no Acre e celebra publicamente sua presença, incluindo em músicas como o funk “O Acre é vermelho”. A organização também passou a recrutar criminosos peruanos para atuar em território brasileiro e no país vizinho, com forte presença na província de Ucayali.

Embora o PCC ainda mantenha pontos de atuação próximos à Bolívia, especialmente na região de Santa Cruz de la Sierra, o domínio territorial do CV prevalece. A geografia extensa e de difícil fiscalização nos limites internacionais dificulta o combate total às atividades ilícitas.

Operações recentes, como a Reduto, deflagrada entre 2023 e 2024, visam desarticular redes de apoio logístico e financeiro do grupo. Houve redução parcial dos indicadores criminais, mas o Comando Vermelho continua a exercer forte influência nas rotas amazônicas e na estrutura do narcotráfico nacional.

O Acre permanece como um dos principais pontos estratégicos do país para o escoamento de drogas — e a consolidação do CV na região aponta para uma presença cada vez mais robusta na Amazônia.

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