Mensagens em um grupo de WhatsApp apontam que o estudante de Medicina Edcley Teixeira indicou previamente as respostas corretas de mais duas questões de matemática do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2025. A repercussão de uma live transmitida pelo universitário, cinco dias antes da prova, fez o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) anular outras três questões. Acionada pelo Ministério da Educação (MEC), a Polícia Federal investiga se houve fraude em certame de interesse público. Teixeira nega ter cometido quaisquer irregularidades.
As novas mensagens foram obtidas pelo g1. Segundo o portal, Teixeira teria repassado informações sobre essas duas questões de matemática com antecedência ainda maior que as da live: em março deste ano, oito meses antes do Enem. O universitário alega não ter feito nada de errado: segundo ele, participava dos pré-testes realizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), instituto do ministério responsável pela aplicação do exame, e conseguia lembrar de detalhes das perguntas. Com isso, vendia aulas on-line como curso preparatório.
Antes da aplicação do Enem, o MEC testa as questões em diferentes avaliações nacionais para medir a qualidade das perguntas e seus níveis de dificuldade — o que se torna ainda mais necessário pelo modelo de correção adotado, a chamada Teoria de Resposta ao Item (TRI), que confere pontuações de acordo com o grau de complexidade. Esses são os pré-testes, dos quais Teixeira diz participar.
Segundo o g1, em 17 de março, ele antecipou uma questão de probabilidade/lançamento de dados (178 da prova azul, 176 da cinza, 169 da amarela e 172 da verde) e outra, da solução com concentração de 99,90% (140 da prova azul, 144 da cinza, 137 da amarela e 148 da verde).
“Uma coisa eu garanto: se cair no Enem, pode marcar ‘125/216’ sem medo de ser feliz… Nem leia, não”, escreveu ele no WhatsApp a centenas de alunos que haviam contratado seus serviços de monitoria.
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Na prova de 16 de novembro, que reuniu itens de Ciências da Natureza e Matemática, os candidatos a vagas no Ensino Superior tiveram de responder a uma questão quase idêntica. E o gabarito era “Artur, com possibilidade de 125/216”.
Também em março, ele enviou a seguinte questão no grupo: “Você tem 10 ml de uma solução com concentração de 99,95% de água e o restante de cloro. [De] quantos mililitros de água pura você precisaria adicionar a essa solução para que a concentração de água passe a ser de 99,90%?”. A resposta era 5.
Na prova do Enem, a única diferença se deu na unidade de medida mencionada (litros). Os números, inclusive a resposta correta, eram os mesmos.
Os dois itens não estão entre os anulados pela organização do Enem. Ainda de acordo com o g1, nos dois casos, Edcley comemorou no grupo quando soube que havia “acertado” as questões.
“Olha isso!!! Sei que todos vocês acertaram kakakaka”, escreveu ele, ao resgatar a mensagem prévia sobre o lançamento de dados. “A questão da água, que eu mandei no PV [privado] de todos… Mandei no grupo também! E também tem nos nossos pdfs de pré-teste kakakakkaa. Se alguém errou, é porque não fez”, complementou.
O próprio Edcley Teixeira compartilhou detalhes dos acertos nos stories do Instagram antes de o caso repercutir.
O que diz Edcley Teixeira
“Essas similaridades pontuais foram coincidências.” Foi assim que o estudante de medicina Edcley Teixeira comentou, pela primeira vez, as acusações de que teria antecipado questões do Enem em uma live com alunos. Em entrevista ao Fantástico, da TV Globo, neste domingo (23), ele negou acesso prévio à prova e afirmou que as perguntas que apresentou, e que depois foram anuladas pelo Inep, tinham origem no Prêmio Capes Talento Universitário, concurso do qual participou no ano anterior. Segundo ele, encontrou ali um “padrão muito parecido” com o das questões do exame.
O estudante também admitiu que pagou participantes do concurso para memorizar itens da prova e repassá-los para ele. De acordo com apuração do g1, mensagens mostram Edcley oferecendo valores a partir de R$ 10, que poderiam aumentar conforme o detalhamento das respostas. Confrontado sobre a prática, afirmou que fez isso “só este ano” e negou ter agido de forma deliberada para burlar o processo.
— Não vejo má-fé. Porque não existia nenhum termo de compromisso, nenhum termo de sigilo, não existia nem edital. Nem no processo de inscrição — disse.
Ele ainda afirmou ter desconfiado que o concurso funcionasse como um tipo de pré-teste do Inep, e classificou como “publicidade infeliz” o fato de ter divulgado nas redes que havia participado de um pré-teste oficial. “Era simplesmente pra chamar atenção pro meu curso.”
— É uma forma de publicidade que hoje eu considero infeliz, porque era simplesmente para chamar atenção para o meu curso — disse.
Segundo o g1, ao identificar que as questões do Prêmio Capes funcionavam como um pré-teste para o Enem, Edcley Teixeira passou a incentivar que universitários participassem do concurso e a pagar ao menos R$ 10 por cada item que conseguiram memorizar. O acervo de questões era vendido junto à sua mentoria.