Lideranças evangélicas apostam na indicação de Jorge Messias para reforçar o “bloco conservador” do Supremo Tribunal Federal (STF) – e, assim, impedir o avanço do que chamam de “pauta de costumes”, como a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação, o uso de banheiro por transexuais e a proibição da presença de crianças e adolescentes em paradas do orgulho LGBTQIA+.
Caso supere a resistência no Senado e obtenha os 41 votos necessários para confirmar a sua indicação, Messias ocupará a vaga aberta com a saída de Luís Roberto Barroso, que decidiu antecipar a aposentadoria no mês passado. Barroso era um dos expoentes do “bloco progressista” do STF, tendo votado no Supremo a favor da descriminalização do aborto e do porte de maconha para uso pessoal, além de ter defendido a criminalização da homofobia e da transfobia.
Para lideranças evangélicas que já se engajam nos bastidores pela aprovação de Messias, o advogado-geral da União pode se aliar a uma ala mais conservadora do STF, que incluiria Cristiano Zanin Martins, Dias Toffoli, Luiz Fux (que já disse que a Corte precisa “decidir não decidir” em casos que seriam de responsabilidade do Congresso) e os dois ministros indicados ao tribunal pelo ex-presidente Jair Bolsonaro – Kassio Nunes Marques e André Mendonça.
Esses ministros não funcionam como um bloco homogêneo que vota sempre alinhado em temas como aborto, descriminalização das drogas e pautas de interesse da comunidade LGBTQIA+. Mas são magistrados que os conservadores identificam como sendo mais alinhados a seus valores – e que são mais resistentes à interferência do Poder Judiciário em temas que seriam de competência do Congresso.
Conforme antecipou o blog, Mendonça já se comprometeu a ajudar Messias a reduzir a rejeição no Senado, principalmente na tropa de choque bolsonarista e na ala da oposição que o vê como “quadro ideológico do PT” e “homem de confiança do Lula e da Dilma”. Os dois são evangélicos – Messias é membro da Igreja Batista, enquanto Mendonça é pastor da Igreja Presbiteriana.
Apesar do lobby evangélico, um interlocutor de Messias o define como um “conservador moderado” e acredita que o ministro vai atuar “tecnicamente”. “Ele separa bem as funções de Estado da atividade religiosa. Não gosta de misturar as coisas e é contra a instrumentalização política da religião”, afirmou.
Aborto
Em junho de 2024, a AGU enviou ao Supremo um parecer contra uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proibia a utilização de uma técnica clínica (assistolia fetal) para a interrupção de gestações acima de 22 semanas decorrentes de estupro. O ministro Alexandre de Moraes atendeu a um pedido do PSOL, acabou suspendendo a norma – e pediu uma manifestação da AGU.
Mas a posição da AGU, assinada por Messias, se limitou a uma questão técnica, sem avançar no mérito: a de que a regulamentação dos procedimentos em torno do aborto legal é uma competência do Congresso, e não do conselho.
O plenário do STF até hoje não concluiu o julgamento para decidir se referenda ou não a liminar de Moraes.
“Não é possível antever uma posição conservadora de Messias a partir de sua atuação como AGU”, disse ao blog a professora da FGV Direito São Paulo Eloísa Machado. “É esperado que um ministro do STF tenha capacidade de separar crenças pessoais das posições republicanas exigidas pelo cargo, que devem ser orientadas pela lei e pela Constituição e não por crenças particulares”,
Eloísa critica o uso da expressão “pauta de costumes” para definir temas que abordam direitos humanos. “Chamar casos de direitos fundamentais (identidade, autonomia, dignidade) de ‘pauta de costumes’ é abraçar, de partida, uma posição que acha que esses temas não merecem status de direitos”, acrescentou.
Pauta espinhosa
A “ala progressista” do STF ficou reduzida recentemente com as saídas de Barroso e de Rosa Weber, os únicos dois ministros que já votaram a favor da descriminalização do aborto até aqui.
Mesmo sendo considerado pelos seus pares um ministro progressista em temas de direitos humanos, o presidente do STF, Edson Fachin, tem dado sinais de que não pretende pautar tão cedo o aborto, considerando não só a proximidade do ano eleitoral mas também a forte divisão que o tema provoca na sociedade brasileira.
Como Barroso já votou pela descriminalização do aborto, Messias não poderá se posicionar na ação do PSOL que trata o tema – mas isso não impede que ele venha a se manifestar sobre esse assunto em outros processos sobre a controvérsia.

