Cenas registradas em Marrocos, Nepal, Madagascar, Peru e outros países nas últimas semanas parecem extremamente semelhantes entre si, como um movimento uníssono de jovens que lutam por melhores condições de vida e pelo fim da corrupção em seus países. Considerando as variantes políticas de cada cenário, especialistas avaliam que além de liderarem protestos em continentes distintos e até compartilharem símbolos, esses jovens da geração Z — que nasceram entre 1997 e 2010 — estão conectados por um sentimento mais profundo: a desesperança.
Fenômeno global
As recentes manifestações, que provocaram a derrubada de governantes e regimes, refletem um estado de rejeição coletiva dessa juventude aos sistemas políticos tradicionais, que parecem não atender às suas demandas e necessidades. Esse sentimento se traduz de maneiras diferentes diante dos contextos sociais, políticos, históricos e culturais de cada lugar, seja em protestos que clamam por regimes mais democráticos, pelo fim da corrupção, por ações para frear as mudanças climáticas ou garantir direitos de minorias.
No Nepal, o estopim para os protestos foi a proibição das redes sociais, que agravou a revolta de jovens indignados com a falta de empregos e o acúmulo de privilégios de herdeiros da classe política. No Marrocos, manifestantes foram às ruas contra as altas taxas de desemprego e o subinvestimento em saúde e educação. Em Madagascar, um dos países mais pobres do continente africano, o mote das mobilizações juvenis foram a escassez de água e de eletricidade.
O cientista político espanhol Juan Roch explica que a “falta de futuro” é padrão para a geração Z pelo mundo, mesmo que se manifeste com diferentes focos. A luta pela pauta climática, por exemplo, tão presente em países do Norte Global, reflete o medo da morte, de que as condições do planeta que habitamos hoje não sejam mais apropriadas para a existência humana, assim como as mobilizações por oportunidades de emprego e pelo fim da corrupção escancaram o medo da escassez, da pobreza e da falta de estrutura.
Segundo ele, um dos pontos cruciais para compreender a mobilização política desses jovens é observar que tipo de informação política eles consomem. Ainda que seja um dos principais definidores dessa geração, o termo “nativo digital” vai além da familiaridade que eles têm com as tecnologias digitais.
— Eles confiam mais em influenciadores digitais do que em meios tradicionais. Esse é um dos pontos cruciais que os diferenciam de outras gerações.
Para o especialista, a diferença entre essas mobilizações e outras do passado que também foram organizadas pelas redes sociais — como as da Primavera Árabe — é a dissonância entre as convocações online e a prática da mobilização nas ruas.
— Na Primavera Árabe havia uma organização híbrida, nas redes e nas ruas. O padrão que vemos hoje é que há grandes rupturas e dificuldade de manter uma coerência organizacional.
Ainda que as manifestações que ganharam evidência recente tenham acontecido em países do Sul Global, que têm economias mais frágeis e menos desenvolvidas, essa falta de perspectiva de futuro da geração Z também pode ser observada em países ricos e desenvolvidos. A cientista política americana Melissa Deckman, autora do livro “A política da geração Z”, publicado em 2024, passou cinco anos estudando a formação e atuação política desses jovens nos EUA. Segundo ela, uma das principais características do grupo é a inclinação política mais ao centro ou à esquerda, com visões mais progressistas.
— É uma geração que cresceu aprendendo a se preocupar com as mudanças climáticas, foi atravessada pelos movimentos de justiça racial, viveu condicionada aos protocolos de lockdown da pandemia e ao debate sobre a violência e o controle de armas — destacou a especialista em entrevista ao GLOBO.
Para Deckman, é essencial considerar ainda que a experiência política desses jovens se formou quando Donald Trump já era candidato ou presidente, o que implica em um desconhecimento do que seria a “normalidade política” americana pré-Trump. Essa experiência (ou a falta dela) somada à relação quase intrínseca que eles têm com as redes sociais pode ter contribuído para outra característica que influencia crenças políticas da geração mundo afora: a falta de confiança nas instituições — do governo até a polícia, passando por instituições religiosas e pela mídia tradicional.
E, assim como no Sul Global, a “ansiedade econômica” também tem se tornado uma questão importante para os “gen zers” americanos.
— O “sonho americano”, essa ideia de que se você trabalhar duro, será bem-sucedido, sempre existiu para a maioria dos americanos. Os filhos tendiam a superar seus pais em termos de carreira e potencial de ganho financeiro — disse. — Hoje em dia é muito difícil para jovens da geração Z americana comprar casas e ter empregos que paguem salários dignos.
Na Europa, um estudo conduzido por Roch e o cientista político Guillermo Cordero entrevistou mais de 2 mil espanhóis para analisar como as perspectivas negativas de futuro dos jovens determinam seu comportamento político. A principal descoberta, destacou Roch ao GLOBO, foi sobre a flexibilidade política dos jovens. Quando questionados se estariam abertos a escolher outro regime de governo que não a democracia em circunstâncias especiais, como em cenários de grave crise econômica, por exemplo, cerca de 50% responderam que sim, ainda que sem especificar quais seriam as alternativas.
Espaço para a direita
Nesse sentido, o descrédito nas instituições e a insatisfação atual com o funcionamento da democracia — cenário que se repete pelo continente, segundo Roch — se somam a um contexto de “fracasso” dos partidos de esquerda na região e à uma certa eficiência dos partidos de direita e extrema direita em cooptar as frustrações desse grupo. A partir disso, os jovens europeus passaram a considerar outras possibilidades — de governo, liderança e de políticas públicas — frente à rejeição declarada ao cenário político atual.
No Peru, um país em que mais de 40% da população não está mais interessada em política, as manifestações lideradas pela geração Z derrubaram a presidente Dina Boluarte, sucessora do esquerdista Pedro Castillo. Rosa Alayza Mujica, professora de Ciência Política da Pontifícia Universidade Católica, ressalta, no entanto, o cenário complexo da política local.
— Há grupos de direita entre os jovens. Mas eu diria que [no geral] são progressistas que não se identificam com a atual esquerda — disse, em referência à memória ruim que os peruanos guardam de Castillo.

