As moedas emergentes têm grande potencial de valorização frente ao dólar nos próximos dez anos. E, entre elas, o real brasileiro é destaque. É o que aponta o relatório “FX in 2035 — Finding fair and getting there” (em tradução livre, “Câmbio em 2035 — Encontrando o valor justo e o caminho até lá”), elaborado pelo banco americano Goldman Sachs.
O estudo prevê que o real brasileiro (BRL) vai liderar o ranking global de ganhos cambiais pelos próximos dez anos. O peso colombiano (COP) e o rand sul-africano (ZAR) também são destaques.
A análise combina a expectativa de valorização cambial com o ganho proporcionado pelos juros domésticos, uma combinação que, segundo o banco, mantém os emergentes em destaque em meio ao atual ciclo global de carry trade.
Um enigma da economia internacional
O carry trade, estratégia em que investidores aplicam em moedas com juros mais altos para ampliar ganhos, já vem movimentando o mercado de câmbio desde 2024. Segundo o Goldman Sachs, essa tendência deve se consolidar nos próximos anos.
De acordo com Teresa Alves, estrategista sênior de câmbio para mercados emergentes do banco, o bom desempenho recente dessas moedas não é casual.
— Os mercados tendem a supercompensar os riscos de inflação e de perda nas moedas emergentes, o que ajuda a explicar por que as estratégias de carry trade seguem entregando retornos acima do previsto pelos modelos tradicionais — afirma. — Esse comportamento está ligado ao chamado forward premium puzzle, um dos enigmas da economia internacional, que mostra que moedas com juros altos costumam render mais do que a teoria prevê.
O relatório destaca que moedas de países com inflação mais alta hoje tendem a oferecer retornos maiores no futuro. Isso ocorre porque os contratos de câmbio embutem um “prêmio” para o risco de que a inflação ultrapasse a meta e, quando esse risco não se concretiza, parte do prêmio se transforma em ganho adicional.
No caso do real, o Goldman Sachs projeta valorização de 8,5% e ganho de 109% via juros, totalizando retorno de 118% em dez anos. Para o rand sul-africano, a estimativa é de valorização de 16% e carry trade de 44%, somando 60%.
O banco também vê espaço para que essas moedas se aproximem de seus valores justos até 2035, movimento que pode ser reforçado por um dólar menos sobrevalorizado e melhoras fiscais e de produtividade nas economias emergentes.
‘Reflete menos conquistas locais’, diz analista
Apesar das projeções positivas, especialistas ouvidos pelo GLOBO ponderam que prever o comportamento do câmbio em um horizonte de dez anos é arriscado.
Para Gabriel Giannecchini, analista de multimercados da gestora ASA Investments, o cenário traçado pelo Goldman é “coerente, mas excessivamente otimista”.
— Já estamos em um ambiente de forte carry trade, e isso ajuda moedas como o real e o peso colombiano — diz. — Mas é difícil projetar que esse ciclo vá durar uma década. Países emergentes continuam com fragilidades estruturais, como baixo crescimento e problemas fiscais.
Ele observa que o bom desempenho recente dessas moedas está mais ligado ao enfraquecimento do dólar do que a avanços domésticos.
— A alta dos emergentes reflete muito mais um movimento global do que conquistas locais — explica. — Basta uma mudança na política monetária americana para inverter parte desse fluxo.
Giannecchini ressalta ainda que, em momentos de estresse, o capital internacional tende a sair rapidamente desses mercados:
— Essas moedas são as que mais se valorizam quando o cenário é favorável, mas também as que mais sofrem nas reversões de apetite ao risco.
‘Quase todos os modelos de previsão do câmbio dão errado’
O professor André Duarte, professor associado de Macroeconomia na PUC-Rio e ex-operador de câmbio, também alerta para o alto grau de incerteza.
— Mesmo modelos complexos costumam falhar na previsão do câmbio, porque o mercado reage a fatores que vão muito além dos fundamentos — afirma. — O próprio Fed gastou fortunas nos anos 1990 tentando prever moedas, e quase todos os modelos davam errado.
Para ele, o peso das decisões políticas e fiscais sobre as moedas emergentes é cada vez maior:
— Vivemos um mundo em que as decisões políticas pesam mais sobre os ativos do que há 20 anos, diz. — Hoje, uma piora fiscal é rapidamente percebida e punida pelos mercados.
No caso do Brasil, Duarte reconhece o potencial do real, mas faz um alerta:
— Se o país avançar em um ajuste fiscal consistente, há espaço para valorização, mas se a incerteza fiscal continuar, o real dificilmente manterá esse fôlego.
Mesmo o Goldman Sachs reconhece que há incertezas. Teresa Alves destaca que, além de fatores domésticos, um choque negativo nos preços de commodities poderia limitar o avanço das moedas emergentes, especialmente no caso de economias exportadoras como Brasil e África do Sul.
— O momento é positivo para os emergentes, mas não livre de riscos — diz Teresa. — Essas moedas ainda dependem de disciplina fiscal e estabilidade institucional para que o movimento de valorização seja sustentável.

