Em outubro, pela primeira vez, bombas modernizadas da era soviética, conhecidas como KABs, atingiram alvos nas regiões de Odessa e Mykolaiv, no sul da Ucrânia, bem como na região leste de Poltava. Até então, os projéteis guiados lançados de jatos russos Su-34 tinham um alcance de até 80 km e eram usados, principalmente, na linha de frente da guerra. Agora, segundo o Financial Times, algumas dessas “bombas burras” planadoras estão equipadas com um motor a jato — uma melhoria que aumenta seu alcance para até 200 km, de acordo com Vadym Skibitsky, vice-chefe do Serviço de Inteligência Militar ucraniano. Trata-se de uma modernização do arsenal de Moscou que impõe ainda mais pressão sobre as já sobrecarregadas defesas aéreas de Kiev.
O desenvolvimento das armas ocorre em um momento em que a Rússia intensificou seus ataques aéreos contra infraestruturas civis e energéticas da Ucrânia. Alguns países europeus, enquanto isso, estão se apressando para preencher a lacuna financeira e militar, já que os Estados Unidos deixaram claro que espera que os aliados de Kiev paguem por sua defesa. Em paralelo, os esforços diplomáticos liderados pelo governo Trump para pôr fim à guerra fracassaram.
Em entrevista ao Financial Times, Pavlo Narozhny, um especialista militar ucraniano, afirmou que as novas armas russas eram um “substituto barato para um míssil de cruzeiro” e estavam sendo lançadas contra os “mesmos alvos: infraestrutura energética e alvos militares”.
Imagens do míssil balístico de alta potência (KAB) que atingiu a região de Poltava no mês passado, publicadas pelo especialista ucraniano em guerra eletrônica Serhiy Beskrestnov, mostram um motor turbojato de fabricação chinesa que pode ser comprado por US$ 18 mil (cerca de R$ 100 mil, na cotação atual) no Alibaba. Segundo autoridades ucranianas, as bombas a jato que atingiram as regiões do sul da Ucrânia pela primeira vez foram disparadas de aeronaves que sobrevoavam o Mar Negro.
Os motores a jato, ainda de acordo com o jornal britânico, são apenas a mais recente atualização do arsenal de bombas KAB da Rússia. Em 2023, as Forças Armadas russas começaram a equipar essas “bombas burras”, que pesam entre 250 kg e 3 toneladas, com asas e sistemas de orientação. Isso permitiu que elas planassem por dezenas de quilômetros antes de explodirem, deixando crateras de até 20 metros de largura e 6 metros de profundidade.
Na semana passada, a Força Aérea da Ucrânia alertou que uma bomba planadora a jato havia sido lançada em direção a Berestyn, uma cidade na região nordeste de Kharkiv, a 125 km da fronteira com a Rússia. Já no mês passado, autoridade disseram que uma bomba planadora a jato, denominada UMPB-5R, atingiu a cidade de Lozova, na região de Kharkiv, após percorrer uma distância recorde de 140 km. A bomba explodiu em um bairro residencial, provocando um incêndio que feriu seis pessoas e danificou 11 edifícios.
“Podem ser bloqueadas”
Yuriy Ihnat, porta-voz da Força Aérea da Ucrânia, afirmou que as características de voo da bomba poderiam ser “grosseiramente comparadas” às de um míssil de cruzeiro.
— Não há uso generalizado dessas bombas guiadas por via aérea no momento. O inimigo está testando-as em condições de combate — afirmou Ihnat, acrescentando que as características dos motores “não eram totalmente conhecidas”. — Essas bombas podem ser bloqueadas com guerra eletrônica e abatidas por mísseis antiaéreos.
Mas a adição de motores a jato também tem desvantagens: significa que apenas cargas úteis menores, de até 250 kg, podem ser usadas. A bomba também poderia ser impulsionada por jato apenas durante parte do voo, recebendo um impulso antes de planar em direção ao alvo, de acordo com Fabian Hoffmann, especialista em mísseis da Universidade de Oslo.
O alcance de 200 km é, na prática, limitado pelo fato de as bombas planadoras serem lançadas de jatos que voam dentro do território controlado pela Rússia, para evitar serem alvejadas por mísseis ou drones ucranianos.
— O principal benefício para a Rússia parece ser a capacidade de lançar as bombas planadoras de uma posição ainda mais distante da linha de frente, o que torna as aeronaves que as transportam menos vulneráveis às defesas aéreas ucranianas — analisou Hoffmann em entrevista ao Financial Times. — O conceito em si não é nada de especial. Os Estados Unidos, por exemplo, têm estudado algo semelhante com uma JDAM movida a jato.
Defesas aéreas escassas
Mas as defesas aéreas ucranianas são escassas, e Kiev tem dificuldades para interceptar as ondas massivas de ataques com drones e mísseis da Rússia, disparados quase todas as noites. O sistema também está enfrentando dificuldades para abater os drones Shahed, projetados pelo Irã, que receberam atualizações que lhes permitem voar mais rápido e em altitudes mais elevadas.
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, anunciou na semana passada que seu país recebeu sistemas Patriot dos EUA, enviados da Alemanha.
— Precisamos continuar destruindo a aviação militar russa, e tudo isso exige um sistema de defesa aérea multicomponente — afirmou o presidente.
A Rússia, por sua vez, modernizou seus mísseis balísticos, que agora são capazes de desviar dos interceptores Patriot.
As taxas de interceptação de mísseis russos caíram de 37% no início do ano para apenas 6% em setembro, de acordo com uma análise do Financial Times com base em dados compilados pelo Centro para Resiliência da Informação, com sede em Londres. Já a taxa de interceptação dos drones diminuiu de 97% em fevereiro para 80% em outubro, segundo dados da Força Aérea Ucraniana compilados pelo grupo de monitoramento “Shahed Tracker”.
— A economia da guerra não está a nosso favor — disse Narozhny, o especialista militar ucraniano, observando que os mísseis antiaéreos ocidentais, incluindo os Patriots, são muito mais caros do que as bombas planadoras a jato da Rússia. — Se eles conseguirem aumentar a produção, será um grande desafio para nós.


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