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Sob pressão de Washington e abalado por escândalo de corrupção, Zelensky perde força em momento crítico da guerra

Seis anos e meio depois de assumir o governo com um discurso de mudança, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, está em meio a uma “tempestade perfeita” de proporções históricas: na guerra, Washington pressiona por um plano de paz que atende a boa parte das demandas do agressor, a Rússia. Em casa, um escândalo de corrupção que atinge aliados expôs velhos hábitos da política ucraniana. Sem a mesma aura do passado, Zelensky será obrigado a tomar decisões difíceis sabendo que, para muitos, ele não passa de mais um presidente prestes a ficar sem emprego em Kiev.

O golpe mais duro em sua imagem, no campo doméstico, veio com a revelação de um esquema de corrupção centrado no setor energético, após uma investigação que se arrastou por mais de um ano: a “Operação Midas” mostrou que um grupo manipulou contratos da estatal de energia nuclear, a Energoatom, nos quais exigia propinas de até 15%. Os investigadores afirmam que o esquema desviou e lavou, através de um escritório clandestino em Kiev, US$ 100 milhões (R$ 539 milhões).

Não há indícios que o liguem ao caso, mas os acusados estão perigosamente próximos. É o caso do ex-ministro da Justiça, Herman Halushchenko, que na ocasião do esquema ocupava a pasta da Energia, do ex-vice-premier Oleksiy Chernyshov e do bilionário Timur Mindich, cujos negócios avançaram no atual governo.

O presidente apoiou a investigação e aplicou sanções a Mindich, um dos donos do estúdio que ajudou a popularizar o então ator Volodymyr Zelensky, o Kvartal 95, e que escapou do país horas antes da operação ser deflagrada.

— Qualquer ação eficaz contra a corrupção é extremamente necessária — disse o presidente, há duas semanas. — A punição é inevitável. A Energoatom fornece à Ucrânia a maior parte da geração de energia atualmente. A integridade na empresa é uma prioridade. Energia, em todos os setores. Todos os envolvidos nos esquemas devem receber uma resposta processual clara. Deve haver punições.

Mas poucos na Ucrânia, um país onde a corrupção é considerada o estado normal das coisas, parecem levá-lo a sério, especialmente por algumas decisões recentes.

Em julho, milhares foram às ruas contra um projeto para retirar a autonomia das principais agências anticorrupção, o Gabinete Nacional Anticorrupção (NABU), responsável pela Operação Midas, e o Gabinete Especializado Anticorrupção (SAPO). Dias depois, Zelensky enviou ao Parlamento um novo texto restaurando a independência. No atual escândalo, a relutância em dispensar seu chefe de Gabinete, Andriy Yermak, acusado de atrapalhar o trabalho dos investigadores, produziu impactos em seu já frágil apoio legislativo e nas pesquisas.

Citado pelo portal Politico, o deputado de oposição Yaroslav Jeleznyak afirma que, de acordo com uma sondagem prestes a ser divulgada, a base eleitoral de Zelensky seria de apenas 25%. No mês passado, antes do estouro do escândalo, o instituto Socis mostrava que o presidente seria derrotado em uma disputa contra o ex-chefe das Forças Armadas, Valery Zalujny. Com frequência, a imprensa russa cita que seu mandato chegou ao final em maio de 2024, omitindo que novas eleições não podem acontecer por causa da guerra.

Outra sondagem, do Instituto Internacional de Sociologia de Kyiv (KIIS), de outubro, revelou que 25% dos ucranianos querem que Zelensky siga no poder após a guerra, e que 36% desejam que deixe a política. Em julho, metade dos ucranianos aprovava a forma como o país está sendo conduzido, número distante dos quase 70% de 2022, de acordo com o Instituto Gallup.

O escândalo não poderia ocorrer em pior momento. Com a guerra se encaminhando para seu quinto ano de combates, com bombardeios cada vez mais agressivos de Moscou e um apoio relutante de Washington, ele tenta mudar os termos de um acordo cuja redação inicial ignorou os interesses de Kiev.

Paz sem capitulação

Os 28 pontos do texto falam em cessão dos territórios do leste ucraniano para a Rússia, incluindo áreas que não foram invadidas pelas forças russas, do reconhecimento internacional às áreas anexadas e da redução das Forças Armadas. Na semana passada, quando os detalhes começaram a surgir, Zelensky afirmou que estava diante de “uma escolha muito difícil: ou perder a dignidade, ou correr o risco de perder um parceiro fundamental”, e que era “um dos momentos mais difíceis da nossa História”.

Ao contrário dos primeiros meses da guerra, quando defendia lutar “até o fim”, a população hoje quer um acordo de paz o quanto antes, mas rejeita uma capitulação: segundo números de agosto do KIIS, 76% dos entrevistados dizem ser “completamente contrários” a um plano que siga os termos russos (como o da semana passada). Sobre a adesão à Otan, a principal aliança militar do Ocidente, liderada pelos EUA, apenas 32% acreditam que se concretizará.

Bombeiros ucranianos tentam combater incêndio após bombardeio russo — Foto: State Emergency Service of Ukraine / AFP
Bombeiros ucranianos tentam combater incêndio após bombardeio russo — Foto: State Emergency Service of Ukraine / AFP

Durante o fim de semana, representantes ucranianos, apoiados por seus aliados europeus, se lançaram em uma ofensiva para tentar amenizar os termos da proposta. Ao Financial Times, um diplomata ucraniano que acompanhou as discussões em Genebra, Serhiy Kyslytsya, afirmou que há um novo rascunho, agora com 19 pontos, e que leva em conta as opiniões de Kiev.

— Desenvolvemos um sólido conjunto de pontos de convergência e algumas questões em que podemos chegar a um consenso — afirmou ao Financial Times. — O resto exigirá decisões da liderança.

O prazo é curto: o presidente americano, Donald Trump, deu até quinta-feira para que os ucranianos aceitem o plano, deixando no ar a possibilidade de cortes na ajuda.

— Ele vai ter que gostar. E se ele não gostar, então eles que continuem brigando, eu acho — disse Trump na sexta-feira a jornalistas, antes de se queixar, mais uma vez, da “ingratidão” ucraniana.

De acordo com a imprensa americana, Zelensky pode se encontrar com Trump na Casa Branca nos próximos dias para alinhar temas como o reconhecimento aos territórios anexados. A questão é sobre qual “versão” dos líderes estará frente a frente: a do apoio demonstrado às margens da Assembleia Geral da ONU, em setembro, quando o republicano afirmou que os ucranianos poderiam ganhar a guerra, ou a do constrangimento de fevereiro, quando Zelensky deixou o Salão Oval humilhado e sem um acordo sobre a exploração de suas terras raras.

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