O Serviço de de Segurança da Ucrânia (SBU, na sigla em inglês) apontou que quase um terço dos ucranianos recrutados pela Rússia para realizar atos de sabotagens no próprio país são menores de idade. Segundo a agência, dos mais de 800 cidadãos monitorados nos últimos dois anos, cerca de 240 são adolescentes, alguns com pouco mais de dez anos. Redes supostamente ligadas à inteligência russa têm buscado jovens vulneráveis em plataformas como Telegram, TikTok e até em jogos online, oferecendo pagamentos em dinheiro ou criptomoedas para incendiar prédios públicos, plantar explosivos ou monitorar alvos militares e policiais.
Uma reportagem da rede britânica BBC teve acesso a um jovem que, aos 17 anos, percorreu cerca de 800 km até a cidade de Rivne, no oeste do país, após receber instruções de um suposto recrutador encontrado no Telegram para instalar uma bomba em uma van usada por um centro de recrutamento militar da Ucrânia. A motivação? Uma promessa de US$ 2 mil (mais de R$ 10 mil) pelo ataque, que só não ocorreu porque o SBU já monitorava a operação e o deteve antes. Agora ele aguarda julgamento por acusações de terrorismo que podem render até 12 anos de prisão.
As autoridades afirmam que a maioria desses recrutas não tem vínculos com a Rússia nem histórico criminal. Sem se identificar, o adolescente disse que era alheio a afinidades políticas e buscava apenas “trabalho remoto” quando entrou em canais do aplicativo de mensagem que ofereciam oportunidades rápidas de pagamento. Em meia hora, contou, já havia recebido uma primeira tarefa.
Questionado sobre o fato de ter refletido que poderia ter ajudado a matar alguém ele reconhece que sim, mas revela um traço também explorado: a pouca afinidade dos próprios ucranianos com os oficiais que instam os cidadão para a guerra, que tem sido alvo de alegações de brutalidade e corrupção.
— Eu pensei nisso. Mas ninguém gosta de oficiais de recrutamento [da Ucrânia] — diz ele. — Eu pensei, ‘bem, serei como todo mundo’.
De acordo com a especialista em segurança cibernética Anastasiia Apetyk, que ministra cursos sobre segurança na internet na Ucrânia, há casos ainda mais jovens.
— Eles tentaram recrutar crianças de nove ou dez anos — diz ela.
Para Andriy Nebytov, vice-chefe da Polícia Nacional da Ucrânia, há uma estratégia deliberada para buscar pessoas vulneráveis e manipulá-las. Segundo ele, a tática é especialmente eficaz entre crianças e adolescentes porque muitos não compreendem plenamente o alcance do que lhes é pedido.
A BBC entrou anonimamente em alguns dos grupos mencionados pelas autoridades e encontrou ofertas diretas de pagamento para incendiar lugares ou causar explosões. Em certos canais, administradores enviavam tabelas de preços que variavam conforme o alvo — de agências dos correios, por valores menores, a bancos, considerados mais complexos por exigirem o lançamento de coquetéis molotov por janelas protegidas por vidro de segurança.
Também foram encontrados anúncios de “trabalhos de meio período” em grupos sem vínculo com política, alguns voltados a refugiados, outros a temas cotidianos, que, ao serem abertos, levavam novamente a ofertas de ataques incendiários mediante pagamento e envio de vídeos como prova.
O Telegram afirmou ao veículo britânico que “apelos à violência ou destruição de propriedade são explicitamente proibidos” na rede e “imediatamente removidos sempre que descobertos”. A BBC relata ter denunciado dezenas de contas e bots, mas muitos permaneceram ativos.
Além do aumento de casos, as autoridades ucranianas afirmam que alguns desses jovens morreram durante as ações. Segundo o SBU, houve episódios em que explosivos enviados pelos recrutadores foram detonados remotamente pelos próprios manipuladores, mesmo sabendo que adolescentes seriam atingidos. Em março, um jovem de 17 anos morreu e outro de 15 ficou gravemente ferido quando uma bomba que carregavam para uma estação ferroviária em Ivano-Frankivsk explodiu antes do previsto, informou a BBC.
As autoridades ucranianas dizem ter identificado e tornado públicos os nomes de agentes de inteligência russos que atuariam na coordenação dessas células de sabotagem. A BBC ressalta, porém, que não conseguiu confirmar de forma independente o envolvimento direto do Estado russo.
Mesmo assim, governos europeus relatam padrões semelhantes: vários países afirmam ter indícios de que emissários ligados a Moscou vêm recrutando jovens para atos de vandalismo, incêndios criminosos e vigilância. No Reino Unido, seis homens foram detidos sob suspeita de atacar, a mando da Rússia, um armazém em Londres que enviava ajuda à Ucrânia.
Questionada pela emissora, a Embaixada da Rússia em Londres negou participação em qualquer esquema de recrutamento e devolveu a acusação, afirmando que serviços ucranianos é que recorrem a civis — inclusive menores — para realizar incêndios criminosos e atentados no território russo. Assim como em relação às denúncias feitas por Kiev, a BBC informou não ter conseguido checar essas alegações.

