A mais recente tentativa do governo de Donald Trump de isolar o governo de Nicolás Maduro complica ainda mais as operações diárias das empresas petrolíferas estrangeiras na Venezuela, de acordo com especialistas. Há uma semana, o governo designou o Cartel de los Soles como uma organização terrorista estrangeira (FTO, na singla em inglês), que, segundo Washington, é liderada pelo governo venezuelano e controlada pelos militares — a organização, de fato, não existe como tal.
Embora as sanções de longa data se apliquem a entidades e indivíduos específicos, a designação, com sua redação ampla, dificulta que as empresas petrolíferas saibam quem pode representar um risco. Os militares da Venezuela, por exemplo, controlam os portos que são cruciais para as operações petrolíferas.
Algumas empresas petrolíferas, principalmente a Chevron Corp., permanecem no país em meio a condições operacionais cada vez mais adversas. Somando-se a anos de sanções econômicas, a designação de organização terrorista estrangeira ocorre após quase três meses de ataques letais contra embarcações que Washington alega estarem ligadas ao narcotráfico no Caribe e no Pacífico Oriental. O presidente dos EUA alertou que ataques terrestres à Venezuela podem ser o próximo passo, mesmo enquanto insinua a possibilidade de negociações.
No domingo, a Venezuela pediu ajuda à Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), da qual faz parte, para deter o que classificou de ‘agressão’ dos Estados Unidos. Uma eventual ação militar, argumentou o regime de Maduro, ameaçaria justamente a estabilidade do mercado internacional de petróleo.
Jeremy Paner, advogado especializado em sanções da Hughes Hubbard, concorda que a designação “aumenta significativamente a exposição ao risco das empresas petrolíferas que operam na Venezuela”. Paner destaca que uma licença do Departamento do Tesouro dos EUA que autoriza a Chevron a operar na Venezuela como uma exceção às sanções não protege a empresa da “responsabilidade civil extraterritorial” nos EUA por danos que poderiam ser considerados causados pelo cartel.
“Essas ações civis levam anos para serem resolvidas e são muito caras para se defender”, escreveu Paner, por e-mail. “Se uma empresa petrolífera sabe que está lidando com um cartel, a responsabilidade é acionada mesmo que não haja uma assistência significativa”.
Paner citou um caso recente da Suprema Corte envolvendo uma organização petrolífera estrangeira. E acrescentou que as empresas “enfrentam potencial responsabilização criminal extraterritorial nos EUA por fornecerem ‘apoio material’, como fundos ou serviços, ao cartel”.
Nicholas Mulder, professor da Universidade Cornell e autor de “A arma econômica: a ascensão das sanções como instrumento da guerra moderna”, concorda:
— Embora o Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (Ofac) mantenha a discricionariedade final por meio de sua capacidade de emitir licenças, certamente existe um risco jurídico maior nessa designação de organização terrorista estrangeira para empresas que fazem negócios com entidades estatais venezuelanas — disse Mulder. — De modo geral, o objetivo é aumentar a percepção de risco a longo prazo das empresas, como parte de uma estratégia contínua dos EUA para intensificar a pressão contra Maduro.
Qualquer interação com os militares venezuelanos pode ser perigosa para as empresas, afirma José Ignacio Hernández, especialista sênior da consultoria Aurora Macro Strategies:
— A grande incógnita é que, embora a definição do governo venezuelano como alvo de sanções seja simples, não existe uma lista para o Cartel de los Soles— diz. — Para a Chevron, isso implica um risco maior de descumprimento das normas regulatórias. Eles terão que encontrar uma maneira de garantir que as pessoas com quem interagem não sejam membros do Cartel de los Soles.
Os portos venezuelanos controlados pelos militares representam um risco particularmente grande para as empresas, ressalta Hernández.
— Não que essa determinação torne as operações da Chevron na Venezuela inviáveis, mas para uma operação que já era complicada, ela adiciona mais um fardo impreciso.
E ele acrescenta que, para mitigar o risco, qualquer ambiguidade no alcance da FTO provavelmente levará a uma conformidade excessiva por parte das empresas petrolíferas e suas redes de contratados.
As atividades da Chevron continuam “em total conformidade com as leis e seguindo normalmente”, afirmou a empresa em nota, “com prioridades máximas voltadas para a segurança do pessoal, as comunidades venezuelanas próximas às suas operações e a integridade dos ativos de suas joint ventures”.
— Os tipos de oscilações que vemos em lugares como a Venezuela são desafiadores, mas jogamos a longo prazo — disse o CEO da Chevron, Mike Wirth, antes da designação do cartel.
A empresa sediada em Houston responde atualmente por até um quarto da produção de petróleo da Venezuela. Metade da produção é destinada à Petróleos de Venezuela SA, parceira estatal da Chevron, que exporta a maior parte do óleo para a China. A Chevron exporta sua parcela da produção para o mercado americano.
Sanções secundárias
Outras petrolíferas estrangeiras que operam no país incluem a espanhola Repsol SA e a italiana Eni SpA. Nenhuma respondeu imediatamente a vários pedidos de comentários enviados por e-mail. Não foi possível contatar a Maurel & Prom, listada na bolsa francesa e controlada pela estatal indonésia PT Pertamina, para comentar o assunto.
O governo dos EUA afirma que o Cartel de los Soles é uma organização de narcotráfico liderada por Maduro e dirigida por oficiais superiores do Exército. O Departamento do Tesouro atualizou na semana passada a entrada do cartel na lista de Nacionais Especialmente Designados e Pessoas Bloqueadas do Ofac, adicionando a designação de FTO ao seu status anterior de Organização Terrorista Global Especialmente Designada (SDGT). Com isso, a organização que, segundo especialistas é uma metáfora para designar oficiais venezuelanos corrompidos pelo dinheiro do tráfico, permanece sujeito a sanções secundárias.

