Katherine Dias Castro entrou para a história da Universidade Federal do Acre (Ufac) ao se tornar a primeira mulher trans a concluir o curso de bacharelado em Educação Física. Aos 25 anos, a formatura representa mais do que uma conquista acadêmica: simboliza resistência, visibilidade e a ocupação de um espaço historicamente marcado por estereótipos e preconceitos, especialmente no esporte.
“Pra mim, ser a primeira é verdadeiramente um ato de resistência, numa área que ainda carrega muitos estereótipos e preconceitos. Mesmo assim, me sinto orgulhosa de mim mesma”, afirmou Katherine.
Natural de Vila Campinas, no interior do Acre, ela precisou deixar a cidade onde estudava para se mudar para Rio Branco em busca do ensino superior. A decisão marcou o início de uma trajetória construída com esforço, adaptação e persistência.
“Vim morar em Rio Branco justamente para conseguir fazer faculdade. Não sou natural daqui, então foi um recomeço em vários sentidos”, relatou.
Ao falar sobre os desafios enfrentados durante a graduação, Katherine destaca que foram semelhantes aos vividos por outros universitários. “Os desafios foram os mesmos de todo universitário: conciliar a vida pessoal com o curso. Graças a Deus, meu curso sempre foi acolhedor e nunca passei por nenhuma dificuldade com base no meu gênero”, disse.
Um dos momentos mais marcantes de sua caminhada acadêmica foi a defesa do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), que abordou a temática das mulheres trans no esporte. Segundo ela, o trabalho teve um significado especial por tratar de um assunto ainda pouco debatido. “Sem dúvidas, a defesa do meu TCC foi o momento que mais me marcou. Falar sobre mulheres trans no esporte, um tema tão julgado e pouco discutido, foi muito importante pra mim”, destacou.
Katherine explicou que o estudo também teve caráter pioneiro dentro do curso. “Consegui expressar meus sentimentos, trazer a literatura, que ainda é um pouco fraca, mas que avança a cada dia, e provocar uma reflexão dentro do curso. Foi o primeiro TCC a abordar esse tema”, afirmou.
Sobre o apoio institucional, ela avalia que a universidade cumpriu seu papel dentro das possibilidades. “Dentro do que a universidade poderia fazer, acredito que prestou bem seu papel de inclusão”, disse. O acolhimento por parte dos docentes também foi ressaltado. “Os professores sempre foram incríveis comigo. Nunca tive nada do que reclamar, sempre fui apoiada e compreendida por todos”, relatou.
A diversidade presente no ambiente acadêmico da Ufac foi apontada como um fator determinante para sua permanência e confiança ao longo do curso. “Por a Ufac ser um ambiente com muita diversidade, sempre me senti totalmente à vontade para me expressar. Sem dúvidas, esse ambiente diverso me fez me sentir mais confiante para ser quem eu sou”, afirmou.
Como a maioria dos estudantes universitários, Katherine admite que houve momentos de dúvida. “Sempre bate aquela incerteza, isso acontece com a maioria dos universitários. Passei por isso também”, contou. No entanto, a identificação com o curso foi decisiva para seguir em frente. “Quando você se identifica com o curso e vê que existem muitas possibilidades, você se apega a essa vontade de concluir, de exercer aquilo que tanto gosta”, disse.
Apoio da família
O apoio familiar foi um dos pilares para a conclusão da graduação. Katherine relembra que, por ser uma mulher trans, tinha receio de não ser aceita. “Sempre tive medo de não ser aceita pela minha família, mas aconteceu exatamente o contrário”, afirmou. Segundo ela, o apoio foi constante. “Minha família nunca deixou faltar nada, sempre me apoiou, me aceitou e continuou torcendo por mim em todos os momentos. Sou muito grata ao meu pai, à minha mãe e à minha madrasta”, completou.
Para Katherine, a própria formatura carrega um significado que vai além da experiência individual. Ela acredita que a conquista pode servir de incentivo para outras pessoas trans. “Não só dentro do meu curso, mas em todas as áreas. Quero que todas as pessoas trans se sintam capazes de ocupar os espaços que historicamente nos tiraram”, declarou. “Que nunca desistam de tentar e que nunca percam a vontade de voar”, acrescentou.
Ao analisar o mercado de trabalho da Educação Física, Katherine avalia que a presença de pessoas trans ainda é pouco visível. “Hoje em dia quase não se ouve falar sobre isso. Eu não conheço nenhuma pessoa trans como referência na atuação profissional da Educação Física”, observou. Segundo ela, as referências existentes estão mais ligadas ao esporte como atletas. “Dentro da área de atuação profissional, ainda acho muito escasso”, disse.
Sobre os próximos passos, Katherine afirma que pretende continuar os estudos e ampliar o debate iniciado na graduação. “Quero evoluir ainda mais, levar a discussão sobre pessoas trans no esporte ainda mais adiante”, afirmou. Entre os planos, ela considera a possibilidade de cursar mestrado ou residência. “Quero me especializar cada vez mais”, completou.
Em relação à atuação profissional, Katherine demonstra interesse pelo campo esportivo, mas também tem um objetivo específico. “Tenho muita afeição por esportes e gostaria muito de trabalhar nessa área, mas também tenho muita vontade de atuar como personal trainer especializada em pessoas trans”, explicou.
A trajetória pessoal, segundo ela, influencia diretamente a profissional que deseja ser. “A minha trajetória me tornou uma pessoa muito forte e determinada”, afirmou.
“Como profissional, acredito que seguirei da mesma forma: determinada e pronta para superar todas as barreiras que possam aparecer no futuro”, concluiu.

