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Estado Islâmico expande operações na África e investe em sistema em rede para manter relevância

A África se consolidou como a principal base de operações e recrutamento do Estado Islâmico em âmbito global, com as divisões regionais espalhadas pelo continente assumindo a maior parte das atividades violentas relacionadas ao grupo jihadista. A mudança de foco revela uma reestruturação profunda na organização fundada no Oriente Médio, que pressionada por mais de uma década de iniciativas antiterrorismo, assumiu o formato de grupo transnacional para subsistir.

— O Estado Islâmico realmente direcionou suas operações para a África — afirmou o doutor em Desenvolvimento Africano Ladd Serwat, analista sênior da Armed Conflict Location & Event Data (ACLED), monitor independente que reúne informações sobre conflitos armados, em entrevista ao GLOBO. — Mais de 2/3 da atividade do EI atualmente ocorre na África, e sua capacidade de operar em todo o continente realmente se expandiu.

Território e integração

Dados reunidos pela ACLED mostram que as divisões africanas estiveram envolvidas em 76,6% dos incidentes violentos envolvendo o EI no mundo, entre janeiro e julho de 2025, incluindo combates com forças de segurança, grupos rebeldes e atentados contra populações civis. Dados não consolidados de novembro, até o dia 20, apontam que os grupos do continente foram responsáveis por 153 dos 180 casos registrados no mês — incluindo execuções com uso de métodos que fizeram o grupo temido e odiado no Oriente Médio, como decapitações.

Foi o caso de uma violenta ofensiva lançada pelo grupo regional em Moçambique, cuja atuação está restrita quase que totalmente ao nordeste do país lusófono. Entre outubro e novembro, treze pessoas foram decapitadas pelo grupo moçambicano, todas civis das regiões de Nampula e Cabo Delgado. Os habitantes locais afirmaram que algumas das vítimas seriam cristãs, e teriam sido mortas por isso.

Cinco células do EI estão ativas e engajando em confrontos em países africanos, segundo Serwat. A presença deles já foi confirmada em 11 países, embora nem todos tenham sido palco de embates. O modus operandi de cada divisão responde aos fatores encontrados no terreno, embora todos sigam o padrão ideológico do grupo central.

— O Estado Islâmico da Província da África Ocidental tem a capacidade de se deslocar rapidamente em razão das fronteiras porosas em países como Camarões, Nigéria, Chade e Níger — explicou o analista, citando também o caso do Estado Islâmico da Província do Sahel, que atua sobretudo em países que foram alvo de golpes militares recentemente, como Burkina Faso, Mali e Níger.

O EI da Província da África Central, com atuação principalmente focada na República Democrática do Congo, tem se notabilizado pelo nível de violência empregado contra civis, enquanto a divisão da Somália, apesar de restrita ao chifre da África, cumpre um papel estratégico para o grupo como um todo.

— O EI da Somália é, de longe, o grupo mais internacional. Eles têm combatentes de diferentes partes da Europa, do Oriente Médio e de outros lugares, que vão para lá e depois para outras filiais, principalmente para dar treinamento técnico — disse. —Eles também são muito importantes para o financiamento global.

Adaptação e resiliência

Em seu auge, entre 2015 e 2017, o EI controlou uma área maior que o território do Reino Unido, entre o oeste do Iraque e a Síria. Estimativas do período apontam que o grupo reuniu 80 mil combatentes, mais da metade recrutada no exterior — um contraste com o cenário após uma década de operações antiterrorismo, que reduziram a presença física na região a uma parte ínfima de território, e o contingente para algo entre 1,5 mil e 3 mil homens ativos. Analistas indicam que o baque no Oriente Médio forçou uma revisão ampla das operações.

“Em 2025, o Estado Islâmico confia primordialmente em uma dinâmica de rede e afiliadas regionais, que operam com mais autonomia de ação do que nunca”, escreveu o analista Adrian Shtuni, CEO da Shtuni Consulting LLC, em artigo publicado pelo International Centre for Counter-Terrorism (ICCT), com sede na Holanda, em julho. “Forçado a abandonar suas ambições de um califado territorial, [o EI] gradualmente mudou para uma estrutura menos hierarquizada e um modelo operacional mais descentralizado, com a intenção de aumentar as chances de sobrevivência e a resiliência de suas estruturas regionais”.

O sistema em rede reproduz um modelo clássico de governança utilizado na África e na Ásia, chamado de wilayat, no qual poderes de um governo central são delegados por província, que gozam de certa autonomia. No caso do EI, o professor de Relações Internacionais Rodrigo Amaral, da PUC-SP, explica que o formato permite uma maior liberdade de atuação para as facções regionais, enquanto mantém certo poder decisório e de coesão no comando central.

— As províncias têm autonomia operacional, mas elas estão alinhadas ideologicamente, estrategicamente, com esse núcleo central — disse Amaral em entrevista ao GLOBO. — O EI central vai fornecer a legitimidade, a ideologia, o modelo organizativo, os sistemas de propaganda global, e as províncias africanas oferecem expansão territorial, fortalecimento do grupo enquanto organização transnacional bem coordenada, com ataques frequentes e recrutamento em escala global.

Serwat aponta preocupações com as medidas adotadas para o combate às divisões africanas. Entre as estratégias atuais, o uso de drones, de mercenários russos e o armamento de civis têm resultado em mais violência para comunidades locais.

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