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O drama de venezuelanos deportados dos EUA que deixaram seus filhos para trás

Com apenas 11 anos, o venezuelano Emmanuel Leandro Venecia passou três meses sozinho em sua casa no Texas após a mãe, Deisy Carolina Farías, de 35 anos, ser detida pela imigração dos Estados Unidos. Enquanto esperava por ela, continuou frequentando a escola e chegou a ir a pé à própria formatura. Um vizinho o alimentava, mas ele era o principal responsável por si mesmo. Temendo que o menino fosse enviado a um orfanato, Deisy mentiu às autoridades, dizendo que ele estava sob os cuidados de um adulto. Quando foi deportada para a Venezuela no fim de julho, Emmanuel acabou indo morar com um conhecido.

— Continuo na esperança de que ele se reencontre comigo — contou.

Histórias como a de Emmanuel se multiplicam nos EUA. Um número crescente de crianças venezuelanas tem sido deixado para trás após a deportação de seus pais, sob os cuidados de parentes, vizinhos ou quem pudesse assumir a responsabilidade. O governo venezuelano contabiliza 150 menores, de recém-nascidos a adolescentes, separados de seus responsáveis durante a campanha de deportações do governo Donald Trump. A maioria nasceu na Venezuela, alguns na Colômbia e outros nos EUA, o que torna a repatriação mais complexa.

Segundo Caracas, das 150 crianças separadas, 57 já foram reenviadas ao país em voos negociados entre os dois governos. Em meados deste mês, no entanto, 93 permaneciam nos EUA, número que, segundo o governo Maduro, tende a aumentar. Não há registro oficial americano sobre as separações.

americano, que as encaminhou ao ICE, mas a cooperação diplomática se deteriorou após tensões envolvendo ações militares de Washington no Caribe contra embarcações suspeitas de tráfico de drogas.

O New York Times entrevistou familiares de mais de uma dúzia de crianças cujos pais teriam sido deportados ou estão detidos nos EUA e comparou os relatos com documentos judiciais e registros policiais. Muitos disseram ter escolhido a deportação sem os filhos para evitar longos períodos de detenção, acreditando que isso aceleraria o reencontro.

Outros, afirmaram ter sido pressionados por agentes de imigração a embarcar sem as crianças — e algumas delas acabaram em lares adotivos. Alguns, especialmente os que entraram nos EUA durante o governo Joe Biden, disseram ter sido informados de que viajar com as crianças implicaria meses de detenção enquanto as autoridades americanas organizavam o traslado.

A Casa Branca nega a separação sistemática de famílias e diz que a Imigração e Alfândega (ICE) oferece aos pais a opção de partir com seus filhos. A porta-voz do Departamento de Segurança Interna, Tricia McLaughlin, afirmou que a agência “não separa famílias” e que, caso pais não viajem com os filhos, as crianças são entregues a adultos indicados por eles.

Apesar disso, muitos deles retornaram à Venezuela sozinhos. O governo de Nicolás Maduro transformou o tema em bandeira política, denunciando os EUA e tentando localizar as crianças. Famílias participaram de atos oficiais e gravaram vídeos emocionados, chegando a enviar uma carta de pedido de ajuda à primeira-dama dos EUA, Melania Trump.

Pressão dos agentes

Jaimary José Paz contou ter sido pressionada por agentes a ser deportada sem o filho de 9 anos, José Daniel, após ser detida em Boston. Ela relatou que ouviu que o garoto, que vivia com uma tia, poderia ter “um futuro melhor” nos EUA. Optou pela deportação em julho. A porta-voz do Departamento de Segurança Interna dos EUA, no entanto, rebate a informação e diz que a venezuelana pediu para ser deportada sozinha. O menino foi enviado à Venezuela apenas dois meses depois.

Jaimary José Cárdenas Paz, deportada dos Estados Unidos em julho, reencontra seu filho, José Daniel Urdaneta Cárdenas, de 9 anos, no aeroporto de Maiquetia, perto de Caracas, Venezuela, em 12 de setembro de 2025. Ele havia permanecido nos Estados Unidos quando ela foi deportada — Foto: Adriana Loureiro Fernandez/New York Times
Jaimary José Cárdenas Paz, deportada dos Estados Unidos em julho, reencontra seu filho, José Daniel Urdaneta Cárdenas, de 9 anos, no aeroporto de Maiquetia, perto de Caracas, Venezuela, em 12 de setembro de 2025. Ele havia permanecido nos Estados Unidos quando ela foi deportada — Foto: Adriana Loureiro Fernandez/New York Times

Outros pais disseram nunca ter tido escolha ou recebido informações incorretas. Uma mãe contou ter embarcado acreditando que o filho estaria no voo, o que não aconteceu. Mais de 17 mil venezuelanos foram deportados este ano, segundo Caracas.

Casos analisados pelo jornal americano mostram que muitos pais foram detidos em revistas migratórias, postos de controle ou após infrações de trânsito em estados que colaboram com a agência migratória, como Texas e Geórgia.

— Assim como cidadãos americanos que cometem crimes podem ser separados de suas famílias, o mesmo ocorre com estrangeiros em situação irregular — pontuou McLaughlin.

Reencontros

Nos últimos meses, famílias venezuelanas passaram a se reunir no Aeroporto Internacional Simón Bolívar, em Caracas, à espera de voos com crianças repatriadas. Entre elas, Deisy Carolina. Detida em abril, segundo ela por engano ao entrar em um posto de controle, desafia a acusação do Departamento de Segurança Interna de que teria entrado e saído dos EUA pela fronteira mexicana quando foi pega.

— Você acha que eu iria deixar os Estados Unidos? Para o México? — questionou.

Enquanto ela estava detida, Emmanuel morou sozinho, dormindo em um colchão no chão e usando um nebulizador para tratar a asma crônica. Depois, foi morar com um conhecido que cobrava US$ 400 (R$ 2.140) por semana para mantê-lo — valor que a obrigou a pedir dinheiro emprestado. Agora, após quase sete meses separados, o pequeno desembarcou em Caracas. Ao ver a mãe entre a multidão, correu e saltou em seus braços. Os dois caíram juntos no sofá do terminal internacional, num comovente abraço.

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