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domingo, maio 5, 2024

Artigo: ‘Ah, Kambô Kambô Ho!’: Uma cerimônia de ayahuasca me mostrou os possíveis riscos da medicina

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por Leandro Altheman

Há anos era a mesma coisa: durante as cerimônias de ayahuasca, sentia uma forte impaciência, que me levava a cantar, balançar o maracá, ou me agitar de qualquer maneira, antes da manifestação plena da miração.

No dia-a-dia, uma coisa me perturbava imensamente: ao por exemplo procurar uma chave, um isqueiro ou um documento que fosse, meu coração começava a se agitar e era tomado de um desconforto muito grande. ‘Bem, isso sou eu, mas é também algo mais’, pensava.

Minha intuição me levou a buscar, do outro lado da fronteira, o conhecimento do povo Shipibo. Com população estimada em até 20 mil pessoas, em cerca de 140 comunidades é o grupo pano mais numeroso. Em muito sua cultura se assemelha com os grupos pano do Acre, mas, talvez pela sua predominância numérica ou talvez pelo intenso contato com outros povos, seu sistema de medicina e conhecimento tradicionais é bastante desenvolvido, com um sem-número de plantas medicinais. Mas o kambô, medicina de origem animal, não é uma delas.

Meu contato foi com um jovem Xamã, ou nas palavras dele, curandeiro. Diego tem apenas 31 anos, mas nasceu imerso dentro da cultura do curandeirismo vegetalista, e tem se dedicado ao aprendizado há doze anos.

Diego dizia-me que eu não necessitava de longas dietas, que eu já as tinha e que seria apenas caso de ‘arreglar-las’ e ‘endereçá-las’, pois estavam como que emaranhadas em um ‘bolão’.

Sendo assim, dirigi-me à comunidade Vista Alegre no rio Paichitea, afluente do Ucaially, para uma curta dieta de dez dias.

Deu início ao tratamento com o ‘chumpá’ (não confundir com o chumpê – floripôndio). Trata-se  um cipó de odor semelhante ao cravo . Nos dias subsequentes, foi administrado o ‘ajo sacha’ ( ‘Alho em folha’, em uma tradução aproximada) e a guayusa (também uma folha perfumada, de limpeza). A cada dieta, na noite seguinte, Diego conduzia uma cerimônia de ayahuasca, onde as plantas são ‘icaradas’, ou seja, canta-se para que suas propriedades manifestem-se como medicina no corpo do paciente.

Na terceira cerimônia, senti muito fortemente, uma forte palpitação no coração. A palpitação foi se intensificando até o ponto em que mal conseguia respirar. Foi quando me dei conta, de que aquele efeito não era da ayahuasca que havia tomado, mas reproduzia o efeito do kambô.

Aquilo deveras me surpreendeu. A última vez que tomara Kambô fora há cerca de três anos, com um pajé katukina. Contudo, a miração não me conduzia a esta ocasião, mas há cerca de 18 anos atrás, tempo de minha chegada à Amazônia, quando fiz um uso bastante frequente da medicina, por cerca de um ano. A miração mostrava-me que o uso continuado, sem as adequadas dietas e resguardos, resultaram em um efeito descontrolado, que permanecia em níveis muito internos do corpo.

Leia mais em: Terranáuas

Imagem: Herpetofauna

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