
por Leandro Altheman
É natural para quem mora na cidade, especialmente Cruzeiro do Sul, que a BR seja lembrada como vital para a chegada de mercadorias e produtos essenciais, como por exemplo, o combustível para veículos e para movimentar as turbinas da termoelétrica que abastece de energia os municípios do Juruá.
Mas, para quem vive nas margens da rodovia seu péssimo estado é sentido no dia-a-dia de modo muito mais presente. Junto com o asfalto que se esfacela a cada chuva, estas comunidades perdem um pouco mais da qualidade de vida, do direito de ir e vir e da integração que até bem recentemente possuíam, tornando-se mais parecida com o que existia há 18 anos atrás no estado.
Dificuldade no escoamento de produtos ou mesmo chegar até a escola, começam a ser relatadas pelos moradores do trecho entre os rios Liberdade e Acuraua.
O problema torna-se ainda mais evidente durante eventos como o Copão do Juruá, que teve uma das suas fases disputada neste sábado.

A competição, que em anos anteriores já chegou a reunir até 5 mil pessoas, desta vez mal chegou aos 1.500 participantes.
“Chegamos a pensar em cancelar o evento. Mas estamos muito preocupados com a logística. O tempo de deslocamento das comunidades naquele trecho aumentou muito.”, explica Isaac Ibernon, representante da SEMA, órgão responsável pela realização do evento.
A viagem entre os rios Acuraua e São João, por exemplo, que antes era feita em cerca de três horas, agora vem sendo realizada pelos caminhões que fazem o transporte dos agricultores, em cerca de sete horas.


Eliana Oliveira, representante do estirão do Arraial, no baixo Acuraua acompanhou 12 jogadores até o São João, local do jogo. Após um dia de barco até a margem da estrada, tiveram de enfrentar ainda mais de seis a sete horas de BR.
“A BR está fazendo dó de andar”, conta.
Cinco dias sem aula
Uma enorme cratera no São João, que nesta semana, impediu o trânsito naquele trecho, significou

a paralisação temporária da vida escolar dos alunos da Escola Rainha do Saber. Segundo Maria Élida, vice-presidente da Associação Fortaleza Acreana, no rio Liberdade, os alunos ficaram cinco dias sem poder chegar até a escola.

“De Tarauacá a agente tirava em três horas, ‘tamo’ gastando oito agora. Nossa vida tá meio difícil. Estamos perdendo produção. O Caminhão às vezes fica de três dias sem poder passar.“
Para Maria Élida, o problema naquele trecho piorou desde que a balança foi desativada.
“Piorou muito desde que tiraram a balança. Passa caminhões de até 70 toneladas.”

Apesar de manter a esperança de que a estrada venha um dia a ser recuperada, Élida não poupa críticas a quem prometeu iniciar a recuperação ainda no verão deste ano.”
“Diz que tem senador que disse que nesses dias nossa vida vai melhorar, mas a gente não tá vendo isso. A gente não vê uma máquina trabalhando. Quando aparece uma para tampar um buraco, no dia seguinte tá do mesmo jeito. Por isso a gente não espera nada bom dentro desse jeito.”
Luis Inácio, motorista de caminhão que transporta moradores no trecho Acuraua – Liberdade relata uma situação de abandono: “A estrada tá ridícula. Aqui tem um tal de um DNIT, que não aparece, tem uma firma que pegou essa concessão, tal de CCS. Ninguém vê esse povo. Só buraco”.
Rodovia Federal

A criação da superintendência do DNIT no Acre, anunciada pelo senador Gladson Cameli durante evento com o Ministro dos Transportes, no final de 2016, foi vendida como sendo a ‘panaceia’ para os problemas da BR 364. Um contraste com o degradante estado da mesma. Na verdade, a estrada vive seu pior momento das últimas duas décadas, e o relato dos moradores é de total abandono.
A alegação do DNIT, de que trechos da rodovia foram feitos sem qualidade técnica, explica somente parte do problema atual. Outra parte pode ser explicada pela demora do mesmo DNIT em empregar os recursos necessários para manter a rodovia trafegável. Desde que a BR passou à administração federal, as obras sazonais de manutenção e de recuperação que antes ocorriam durante o verão, vêm acontecendo com intensidade cada vez menor, muito aquém da necessidade da rodovia. Há quase três anos a rodovia vem recebendo apenas ‘recuperações de emergência‘, na maior parte das vezes, apenas pedra nos trechos mais críticos.
Os procedimentos técnicos e burocráticos para liberar recursos, em Brasília e executar as obras, no Acre, estão em descompasso com as estações chuvosa e seca da região. Some-se a isso, a crise política e econômica pela qual passa o país, onde, nem de longe, uma rodovia no extremo oeste da Amazônia seria prioridade de investimento. São as ‘vacas magras’, como bem colocou recentemente em entrevista, o superintendente do DNIT no Acre, Thiago Caetano.
Sob Fogos e Vinho Tinto
Nesse cenário de ‘vacas magras’, o que tem destoado mesmo, são as promessas mirabolantes feitas sob estouro de fogos de artifício regadas a vinho importado para os convidados, no evento organizado pelo senador Gladson Cameli para anunciar 227 milhões para a recuperação da rodovia. Gladson assumiu publicamente a responsabilidade pela recuperação da rodovia. Apesar de louvável, o compromisso baseou-se no apoio de um governo federal que jamais conseguiu escapar da marca de ilegitimidade com que nasceu. Marcado por crescente instabilidade política, aprovação popular pífia (na última sondagem, Temer tinha apenas 5% de aprovação) e graves denúncias de corrupção, é pouco provável, nessa altura do campeonato, que o governo apoiado por Gladson Cameli, consiga reverter o quadro até o seu fim, nas eleições de 2018. Ou quem sabe, antes disso.
Gladson, inclusive, não pode sequer se dar ao luxo de culpar a má qualidade da obra. Duas, das três maiores empresas que executaram a obra pertencem à sua família e foram doadores de campanha.

