22.9 C
Juruá
sexta-feira, março 29, 2024

“Os problemas da Amazônia são do povo brasileiro, e não só dos índios”, afirma Cacique Biraci Brasil durante exposição de Sebastião Salgado em São Paulo

Por

- Publicidade -

A fala ocorreu durante a exposição Amazônia, promovida pelo fotógrafo premiado Sebastião Salgado no Sesc Pompéia em São Paulo. Biraci Brasil do povo Yawanawá esteve com outras como lideranças como Francisco e Wewito Pianko do povo Ashaninka, Davi Kopenawa, do povo Yanomami e Sônia Guajajara da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.

A exposição trouxe imagens inéditas do fotógrafo que passou sete anos percorrendo rios, florestas e comunidades amazônicas.

Todos as lideranças indígenas convidadas tiveram a oportunidade de dirigir-se ao público. Davi Kopenawa, por exemplo, fez um apelo a respeito das invasões de garimpeiros nas terras yanomami, resultando em violência, doenças, fome e degradação ambiental.

Biraci Brasil, também conhecido por Nixiwaká é uma das principais lideranças do povo Yawanawá do rio Gregório. O cacique falou sobre esquecer o passado de agressão e discriminação contra os indígenas em prol da reconstrução de um futuro comum para a humanidade e exortou os brasileiros a se unirem aos povos indígenas nessa luta e criticou o atual governo por fazer dos povos indígenas, seu adversário.


“Parece que ficaram do outro lado do Brasil. Os últimos povos do planeta terra que protegem as florestas tropicais do mundo, viraram adversários dos governos mundiais e especialmente do meu país.”
“Todos sabemos que as terras indígenas são patrimônio da união. E nós defendemos esse território como um patrimônio da vida humana, da natureza, e ficamos como adversários do sistema do estado brasileiro, lamentável.”

O cacique questionou a noção que coloca os povos indígenas como atrasados e reafirmou a Floresta como sendo o sagrado para os povos indígenas, representando para estes, de forma análoga, o que representa a bíblia para os cristãos.

“Eu posso compartilhar com vocês que a mesma existência humana, no mesmo tempo em que se criou os homens lá no Egito, é o tempo da nossa existência como homem de floresta. Os impérios dos incas e maias trabalhavam com pedra. Mas essa mesma existência dessas nações, nós da floresta da Amazônia existimos”, disse.

“Os cristãos têm a bíblia sagrada, os muçulmanos têm o seu alcorão. Nós povo da floresta, nós nativos dessa Amazônia, nós temos essa Floresta como nosso manto sagrado, como nosso alcorão, como nossa bíblia”.

“As plantas falam, os animais falam. Tudo têm vida. Qual civilização que comunica com elas? que entende sua linguagem? Somos os únicos povos desse planeta Terra que sabe ler a floresta. Conheço o nome de todas as árvores, conheço os sons dos pássaros, dos animais. São nossos professores, músicos a floresta é nossa escola. Na floresta é nossos hospitais e farmácia. Os únicos povos que podem ler e comunicar somos nós”.

“Não sei se minha civilização é atrasada, mas não tenho velho separado dos jovens, nós somos povos de família, de solidariedade, tudo o que um come todos comem juntos, quanto um chora, todos choram”.

Para o cacique é importante deixar o passado de violências cometidas contra os povos indígenas para trás e construir algo novo.
“Lamento o posicionamento deste governo. Mas não quero voltar para traz. Não quero lembrar de quando as caravelas de Cabral chegaram aqui. Já fiz um gesto uma vez em Portugal, já perdoei Cabral, perdoei os portugueses, perdoei os brasileiros. Nós precisamos reconstruir um novo conceito da humanidade para esse novo tempo”.

“Muita coisa aconteceu. Fomos discriminados pelos patrões seringalistas, depois vieram os nordestinos recrutados pelo governo brasileiro, e nos discriminaram. Mas eu não sou essa liderança de relembrar o passado quero reconstruir o novo sem mágoa e sem ressentimento.”

“Não bastasse os seringalistas, da década de 60, vieram os protestantes religiosos de uma missão norte americana para evangelizar nosso povo, por três décadas nos evangelizaram. Eu nasci nesse mundo. Eu não conhecia essa diferença, diabo, deus céu, inferno, porque para mim sempre existiu um paraíso que foi a terra e a floresta onde nós vivemos”.

“Eternamente somos grátis ao Divino Criador, celebrando todos os dias na nossa cada, agradecer ao divino, porque nunca nos faltou o alimento na nossa existência, água limpa e saudável, não tenho nenhum filho órfão, ou idoso abandonado”.

Biraci lembrou o episódio em que acabou sendo preso pela PF por expulsar os missionários norte-americanos de dentro das aldeias.

“Desde que comecei o movimento indígena ainda na ditadura fui uma das poucas lideranças indígenas que a PF foi me buscar preso na minha aldeia porque tirei os protestantes da minha casa. Falei para o delgado: me leve em nome do Brasil, em nome da nossa pátria, tirar um filho nativo da sua casa por proteger de um invasor, é triste”.

Nixiwaka que além de liderança política é também uma referência espiritual para seu povo e mesmo fora dele, falou em sua opção pela espiritualidade.
“Em 1992 decidi voltar para nossa casa. Tinha um sonho de fazer uma faculdade de direito. Algo que foi realizado através outros indígenas. Mas decidi fazer uma outra faculdade, outra formação, uma formação da minha ancestralidade, do nosso mundo encantado. Desde 1992 desde então me entrego à nossa espiritualidade, para servir como guardião dos encantos da floresta e do nosso povo. Este é um novo ciclo da humanidade. Essa já tem fim, já está marcada. Quem quiser continuar precisa trocar o chip reciclar a consciência para esse novo tempo. Esse é um tempo espiritual, um tempo feminino. Há séculos ou milhares de anos foram dominados pelo homem. O novo ciclo é feminino. Eu sou um guardião desse novo ciclo de alma e respeito”.
“Criei um movimento diferente de criar vivencias e convidar pessoas de outas parte do Brasil e do mundo. Levei empresários, políticos… Não sou contra autoridade, pelo contrário, só queremos o que é justo, o que é digno, com respeito.
“Levamos muita gente para minha aldeia. Levei mutas pessoas de Hollywood, começamos a movimentar nossas cidades. A gente pode fazer isso, posso compartilhar muito conhecimento ancestral de meu povo que pode ajudar nessa a nova consciência humana de pensar e sonhar em dias melhores”.
Por fim Biraci Brasil exortou a todos os brasileiros a se unirem na luta pela Amazônia.
“Os padres que me batizaram me deram o nome português me deram nome de Biraci Brasil. Que homenagem heim! Eu fico triste porque eu sonhava com um país como o Brasil que pudesse redesenhar um novo conceito de desenvolvimento, de economia, mas é um país que copia o pior. Estamos vivendo num retrocesso de uma política de tanta vergonha”.
“Cadê os brasileiros. Cadê os filhos dessa terra. O congresso, os palácios são ordenados pelo seu povo e eles falam e dominam e ditam como querem sobre uma nação imensa de mais de 200 milhões? É triste. Lamento o que está acontecendo com nós mas quero agradecer aqueles que se solidarizam com os povos indígenas. Continuamos sonhando e acreditando no povo brasileiro”.
“A Amazônia é um patrimônio da humanidade, todos falam assim. Somos o povo mais rico do planeta em termos de recursos naturais, maior bacia de água doce do mundo, maior floresta tropical do planeta. Poque o sistema que foi criado como desenvolvimento joga isso para a culpar a Amazônia?”
“É o patrimônio de milhares de brasileiros que estão nascendo e que vão nascer, não deixem nós sozinhos falar em nome da Amazônia, não nos abandonem, não nos discriminem, não se separem de nós, o povo brasileiro”.
“Todos se negam de cuidar da nossa própria casa que é o Brasil e deixam os povos indígenas a mercê da própria sorte. Falta de política pública e de maturidade do chefe de estado brasileiro. Essa questão é de todos nós, os problemas da Amazônia são do povo brasileiro, e não só dos índios. Este é um patrimônio e de todo Brasil e da humanidade”.

- Publicidade -
Copiar