Quatro jogos sem vencer, número de John Textor vazado e clima de insatisfação na torcida do Botafogo. Afinal, o que explica a má fase do Alvinegro, atual campeão do Campeonato Brasileiro e da Conmebol Libertadores?
O técnico Renato Paiva conta com o respaldo do dono da SAF e de outros membros da diretoria. Tanto que, recentemente, o empresário disse que os jogadores “não estão executando”. Mas é só isso? O ge lista abaixo as decisões que ajudaram a fazer o time perder a força após as conquistas de 2024, apenas quatro meses depois.
Ano só começa em abril?
As expectativas eram altas para 2025, visto que o Botafogo havia conquistado o tricampeonato do Brasileiro e um título inédito da Libertadores. Mesmo sem Artur Jorge, a base do time titular se manteve: Luiz Henrique e Almada foram as únicas saídas dos 11 ideais.
Antes mesmo da estreia do time principal, em 29 de janeiro, John Textor mencionou que a temporada do Botafogo só começaria para valer em abril – uma crítica do americano à extensão do calendário do futebol brasileiro. O dono da SAF alvinegra repetiu o pensamento em outras ocasiões, sem se deixar tomar pela pressa ao ver adversários se movimentando no mercado.
Entretanto, as primeiras exibições do time principal começaram a criar um incômodo na torcida devido ao nível técnico e tático. No início de fevereiro, o Botafogo foi vice para o rival Flamengo na Supercopa Rei, ainda sob o comando de Carlos Leiria.

Uma semana depois, Leiria – que gozava de pouco prestígio com o elenco e tinha fama de “cabeça dura” – foi devolvido às categorias de base com a chegada de outro interino: Cláudio Caçapa, que fechou como auxiliar técnico permanente.
Após o vice da Recopa Sul-Americana, na mesma noite em que Renato Paiva foi contratado, Textor minimizou o terceiro título perdido na temporada e disse não ligar para “copas de marketing”. Além dos vices na Recopa e na Supercopa, o Botafogo acabou fora das semifinais do Carioca e até mesmo da Taça Rio, vista como um torneio de consolação no estadual.
A ideia era tratar os primeiros torneios do ano como uma “pré-temporada”, considerando que o grupo principal só se reapresentou no fim de janeiro, ao voltar de férias depois da disputa do Intercontinental.
Na prática, a ausência de uma direção definida não só causou insatisfação no elenco, que se sentiu desvalorizado, como deixou o Botafogo em desvantagem em relação aos adversários diretos pelos principais títulos – que já acumulavam ao menos dois meses completos de trabalho.
Não à toa houve críticas públicas ao planejamento do futebol após o primeiro jogo da Recopa Sul-Americana. Savarino e Barboza se queixaram da demora para contratar o substituto efetivo de Artur Jorge, e as declarações incomodaram Textor.
Processo de contratação do técnico
Os últimos dias de 2024 trouxeram a notícia de que Artur Jorge não seguiria no comando do Botafogo para a atual temporada. O Botafogo não gostou da postura do português de debater o assunto em ao menos cinco entrevistas, sem definição do que faria na carreira. Mesmo assim, o desejo do clube era pela manutenção do vínculo.
Fato é que a saída de Artur Jorge foi oficializada em 3 de janeiro. A partir daí, começou um longo processo em busca do novo comandante técnico – que só teve fim no dia 27 de fevereiro, 55 dias depois.
A busca superou o período de transição entre Tiago Nunes e Artur Jorge, em 2024. O Alvinegro chegou a encaminhar um acordo com Vasco Matos, do Santa Clara (Portugal), mas uma discussão sobre licenças de trabalho nos bastidores marcou o fim das negociações.

Nesse período, o time perdeu características como transições rápidas e trocas de passes e viu o estilo de jogo que marcou a temporada 2024 se esvair. Com tantos comandantes diferentes, o time não absorveu conceitos táticos que serviriam de base para qualquer que fosse o treinador contratado.
De quebra, escolhas pela utilização de titulares em jogos de menor importância também geraram consequências. O maior exemplo é Bastos: o zagueiro atuou por três minutos em Nova Iguaçu x Botafogo, sofreu um trauma no joelho esquerdo e está longe dos gramados desde 6 de fevereiro. O angolano só tem retorno previsto para a Copa do Mundo de Clubes, em junho.
Por fim, o Botafogo chegou a um acerto com Renato Paiva após uma reunião entre Textor e o português em um hotel do Rio de Janeiro, horas antes do vice para o Racing na Recopa Sul-Americana. Em sua entrevista de apresentação, o técnico português exaltou o orgulho por trás do acerto: “Houve muitos nomes, falou-se com muita gente, e o escolhido fui eu”.
Reforços sem utilização
O Botafogo investiu quase R$ 500 milhões na primeira janela de transferências de 2025, ainda que tenha parcelado os valores pelos próximos anos. Ao fim do primeiro período de contratações, o balanço era de que o elenco agradava à diretoria e a Textor.
Depois, na janela doméstica, o Alvinegro tentou contratar um zagueiro para repor a ausência de Bastos e um meia reserva para Savarino, sem sucesso. Jair assumiu a vaga na zaga e Santi Rodríguez disputava com Matheus Martins na ponta esquerda antes de se lesionar, mas os demais reforços não foram vistos em campo com a mesma frequência.

Paiva até pôde encontrar jogadores no Botafogo que eram desejos antigos, como Gregore e Santi Rodríguez, mas o técnico português não participou das escolhas dos primeiros reforços para 2025, já que foi contratado no penúltimo dia da janela. A primeira análise do treinador foi que o clube “soube repor” as saídas.
Menos de dois meses depois, entretanto, o técnico disse que o scouting do Botafogo não é “infalível” quando perguntado sobre a rara utilização de reforços como Rwan Cruz e Elias Manoel. Nathan Fernandes, em transição após uma lesão na coxa esquerda, sequer estreou até aqui. A postura leva a crer que o Botafogo poderia ter alocado seus recursos em outras frentes com o aval prévio de um comandante definido.
— Eu não coloco jogadores porque custam 50 milhões. David Ricardo jogou e não custa 50 milhões. O scouting do Botafogo é à prova de bala. Basta ver atrás ou só vemos o que se erra? Não podemos ver só o que se erra, mas o que se acerta também. O mesmo que trouxe o Rwan foi o que trouxe o Luiz Henrique, o Almada e o Júnior Santos e outros. É infalível? Não — disse Renato Paiva após a derrota para o Atlético-MG.
Adeus a Luiz Henrique e Almada
Os dois citados acima foram as únicas baixas do time titular que conquistou o Brasileirão e a Libertadores, mas nem por isso suas ausências são menos sentidas. Craques do time que entrou para a história do Botafogo, Luiz Henrique e Almada seguiram para o Zenit (Rússia) e o Lyon (França), respectivamente.

No total, foram quase 20 saídas incluindo a despedida de atletas reservas, como Tchê Tchê e Adryelson. A dispersão de parte do elenco é um lamento do técnico Renato Paiva nos bastidores.
A janela de transferências do meio do ano é vista por membros da diretoria do Botafogo como uma chance de guinada e aceleração na temporada. O mesmo cenário aconteceu em 2024, com as contratações mais significativas vindas do exterior.
O Botafogo continua estacionado na terceira colocação do grupo A da Conmebol Libertadores, com três pontos, e igualou o número de tropeços de 2024 na Argentina. São 13 derrotas até aqui. O Alvinegro volta a campo no sábado, contra o Fluminense, às 21h (horário de Brasília), pela sexta rodada do Campeonato Brasileiro.