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Lançamento inédito de foguete comercial vai inserir Brasil em mercado global dominado por EUA, Europa e China

Previsto para ser lançado em dezembro do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no Maranhão, o foguete HANBIT-Nano, desenvolvido pela empresa privada sul-coreana Innospace, marcará a entrada do Brasil no mercado global de lançamentos espaciais comerciais — hoje dominado por EUA, Europa e China. Operada pela Força Aérea Brasileira (FAB) e braço militar do Programa Espacial Brasileiro (PEB), a base aeroespacial na Região Metropolitana de São Luís será palco da Operação Spaceward 2025, missão que vai inserir cargas úteis, como satélites, no espaço a partir do território brasileiro.

Até a noite desta quinta-feira, o lançamento estava previsto para o próximo sábado. A FAB e a Innospace, no entanto, decidiram adiar a operação para 17 de dezembro, quando ocorrerá a primeira tentativa. Segundo o comunicado, a mudança “vai permitir novos testes de segurança no veículo e garantir máxima confiabilidade”.

O lançamento envolverá a participação de 400 profissionais, dos quais 300 são militares. O HANBIT-Nano levará a bordo um total de oito dispositivos — sete brasileiros e um indiano — definidos como “experimentos”. Entre eles estão dois nanossatélites desenvolvidos pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que permitirão o estudo de um sistema de comunicação de baixo consumo energético utilizado na aplicação da Internet das Coisas (IoT, na sigla em inglês), rede integrada de objetos eletrônicos inteligentes.

O foguete também vai transportar um satélite educacional equipado com versões teste de tecnologias como placas solares e instrumentos de navegação, além de mensagens de alunos da rede pública local, especialmente crianças e jovens de comunidades quilombolas. O Pion BR2-Cientistas de Alcântara foi desenvolvido pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA) em parceria com a Agência Espacial Brasileira (AEB), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a startup PION.

Marco Antônio Chamon, presidente da AEB, que representa a parcela civil do Programa Espacial Brasileiro, destaca não só o pioneirismo da ação do país, mas também a importância estratégica do lançamento, que dará uma “carona” para instrumentos de pesquisa nacionais.

— Uma mudança de paradigma ocorre com a abertura das bases nacionais para empresas privadas, sejam elas brasileiras ou estrangeiras — avalia. — A Operação Spaceward 2025 não só irá dar visibilidade ao CLA no mercado de lançamentos privados, o que atrai investimento para a exploração espacial nacional, mas também servirá para lançar cargas úteis 100% brasileiras, isto é, satélites e sondas, ao espaço.

Imagem dos satélites FloripaSat (esquerda); do sistema SNI-GNSS (centro); e do satélite PION-BR2 (direita) — Foto: Reprodução: FAB / Innospace / UFMA
Imagem dos satélites FloripaSat (esquerda); do sistema SNI-GNSS (centro); e do satélite PION-BR2 (direita) — Foto: Reprodução: FAB / Innospace / UFMA
Foguete HANBIT-Nano, que será lançado do Centro de Lançamentos de Alcântara no sábado (22) — Foto: Divulgação / FAB

Chamon explica que, por enquanto, os experimentos que serão lançados na órbita brasileira ainda não pertencem à elite da tecnologia do ramo, mas que já representam um avanço da exploração nacional e proporcionam novos método de pesquisa, mesmo sendo considerados dispositivos de pequeno porte.

Centro de Lançamentos de Alcântara, principal base aeroespacial do Brasil — Foto: Divulgação: FAB

— Não estamos falando de satélites capazes de transmitir programas de televisão em cadeia nacional, mas sim da possibilidade de se transmitir um sinal para o espaço que será repetido e captado por uma estação em terra, geralmente na própria universidade — esclarece. — Estamos falando de cubos de até 10cm de altura, largura e profundidade e que pesam de um a três quilos.

Parceria Público-Privada

A dinâmica da Operação Spaceward em Alcântara envolve uma cooperação do setor público com a iniciativa privada. A base é militar e todos os seus sistemas, dos portões às antenas e painéis de controle, são operados por oficiais brasileiros da FAB. A empresa sul-coreana ficou responsável por trazer o foguete desmontado até o país com uma equipe de engenheiros para a montagem e seus próprios sistemas de verificação.

Foguete HANBIT-Nano, que será lançado do Centro de Lançamentos de Alcântara no sábado (22) — Foto: Divulgação / FAB

Já a AEB atua como entidade reguladora responsável pelo licenciamento, que é dado antes da empresa sequer firmar contrato para a decolagem, e pela fiscalização do foguete e da estrutura montada, realizada às vésperas da operação.

O HANBIT-Nano deverá levantar voo com uma leve inclinação na direção leste. O motivo da rota é facilitar a entrada em órbita, além de cumprir a norma internacional para lançamentos do tipo, que prevê o direcionamento da decolagem para o oceano com o fim de evitar a queda de fragmentos no solo.

Autonomia pós-acidente

A missão carrega simbolismo por ocorrer 20 anos após o acidente de 2003 que vitimou 21 técnicos e engenheiros civis em Alcântara. Na ocasião, o foguete brasileiro VLS-1 passava por ajustes finais para decolar quando uma ignição prematura de um dos motores resultou em um incêndio e na explosão da estrutura. O lançamento também simboliza a busca do Brasil por mais autonomia e independência no setor.

Imagens da explosão do foguete VLS-1 em Alcântara no ano de 2003 — Foto: Reprodução / TV Globo

Nos últimos dois anos, o governo federal atualizou publicações que guiam a exploração espacial brasileira: o Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE), que regulamenta o desenvolvimento militar de tecnologia aeroespacial, e o Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE), que guia o planejamento da exploração civil do setor. Ambos contam com aumento de verbas para desenvolvimento de tecnologias próprias em relação às edições anteriores.

Chamon explica que, apesar de o Brasil estar defasado em relação ao desenvolvimento de tecnologias aeroespaciais próprias, eventos como o lançamento do HANBIT-Nano ajudam a fomentar a busca por soluções nacionais no futuro:

— A fabricação de foguetes ainda não dominamos completamente e não temos nossos próprios satélites de meteorologia, o que seria bom ter.

(*Estagiário sob supervisão de Luã Marinatto)

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