“Além de Viviane, farmacêutica, eu também sou uma mulher trans. E eu sou muito bem resolvida com isso”. Esta fala, exibida na semana passada em “Três Graças” durante uma conversa da personagem com Leonardo (Pedro Novaes), fez parte de um dos grandes momentos da novela até agora e teve a essencial contribuição de Gabriela Loran. A atriz conta que vem mantendo um canal aberto com os autores, Aguinaldo Silva, Virgílio Silva e Zé Dassilva, e com a equipe de direção, comandada por Luiz Henrique Rios.
— Uma das coisas que conversei com autores e direção foi que eu não queria construir a Viviane como se ela estivesse escondendo algo do Leonardo. Quando ela se sentiu confiante e achou que poderia confiar nele, abriu a história dela, da qual tem muito orgulho. Eu tive a oportunidade de colaborar. O texto não chegou daquela forma. Pude colorir com minha vivência e com meu olhar enquanto pessoa trans. O Luiz Henrique, toda vez que vê alguma coisa que eu possa achar mais sensível e delicada, me pergunta. Tenho tido bastante escuta e liberdade para compor o texto também. No caso dessa cena, dei uma colorida de forma geral. Mandei para o Luiz, que encaminhou para o Aguinaldo, e ele aprovou. Por exemplo, na parte em que ela diz “além de Viviane, farmacêutica, eu também sou uma mulher trans”, foram dados que coloquei. E também sugeri que falasse: “Eu não te enganei”. Foi uma construção em conjunto — explica.
A situação pela qual a personagem passou tem uma pequena semelhança com uma história da vida de Gabriela:
— Meu primeiro namorado não sabia que eu era trans. Contei para ele porque as coisas estavam ficando mais intensas. Num primeiro momento, ele questionou por que eu não tinha contado antes. Eu disse que não me sentia bem de sair contando para todo mundo, mas, como estava sério, tinha me sentido confortável. Foi parecido, foi essa coisa que levei para a personagem também. Mas na mesma noite ele entendeu e quis ficar comigo. Ele nunca tinha se relacionado com uma pessoa trans. Ficamos quatro anos juntos. Foi uma pessoa importante na minha vida, meu primeiro namorado, o primeiro homem com quem morei. Hoje ele é guarda municipal, eu o ajudei no concurso público. Foi uma história muito bonita, diferente da história da Viviane. Não vivi aquela cena em si. É interessante porque mostra que, por mais que sejamos trans, nem sempre vamos viver a mesma experiência.
Atrizes e atores trans costumam reivindicar papéis em que sua condição não seja um assunto central. Em “Três Graças”, o tema vai aparecer ao longo da trama, mas, para Gabriela, há uma diferença:
— Quando o Guilherme Gobbi (diretor de elenco) me ligou, ele disse: “Gabi, a personagem é a sua cara, tem relevância grande na trama. A gente vai passar por essa questão, mas isso não é o enredo da personagem”. Ele já trouxe isso para mim e, durante a construção, contribuí da minha forma, defendendo que, se a transfobia acontece, ela não vai ser resolvida pela Viviane. Na cena do Bagdá (em que ele a chama pelo nome morto, usado antes da transição de gênero), por exemplo, o constrangimento volta para quem cometeu. Viviane sai grandona. Ela nunca sai sofrida, chorando, mal. Ela devolve o desconforto. Eu e Xamã até conversamos antes, e eu falei: “Vamos fazer. A gente pode educar as pessoas assim. Não é de uma hora para outra que elas começam a respeitar. Se ele a chama pelo nome morto, vamos manter, porque a resposta que vou dar vai ser interessante”. E foi um sucesso, a Viviane terminou lá em cima outra vez. Isso que é interessante neste novo olhar sobre a personagem. Ela tem uma história paralela, o enredo não gira só em torno dessa condição. Na relação com outros personagens, com o grupo que vai fazer a expropriação, o assunto nunca é levantado. A gente consegue ver a humanidade da personagem ali. Está além da condição dela. Assim como eu, que, neste momento de destaque, não quero ser só citada como atriz trans. Viviane é trans, mas ser trans não define a mulher que ela é. Gabriela é trans, mas isso não define a mulher que sou.
Ela aposta que ainda estão por vir muitos conflitos para Viviane e Leonardo.
— Estou ansiosa para saber. Porque eles tendem obviamente a ficar bem, mas não chegou para a gente. Ainda não tem esse momento em que eles conversam sobre como vai ser, sobre a redenção do Leonardo. Pelo que já gravamos, começamos a ter um norte. Acredito que ainda vão vir os conflitos dele com o pai e com a família e os dele com ele mesmo, além dos da Viviane com ela mesma — afirma a atriz, que adoraria fazer cenas dos personagens se casando e adotando uma criança: — Tenho muita esperança. É uma cena importante de se ver também. Essa modificação do Leonardo, ele tendo acesso a informações. A gente vê o Leonardo ignorante. Se ele quer lutar pela Viviane, que procure ajuda, se informe e dê o jeito dele. Que ele entenda que Viviane é só mais uma mulher como tantas outras e, por coincidência, trans.
Por falar em filho, Gabriela conta que seu maior sonho é ser mãe.
— Nasci para ser mãe, não vejo a hora. Meu prazo é 35 anos. Já tenho 32. Minha mãe queria gerar meu filho. Ela apresentou essa vontade, e isso me comoveu muito. A gente chorou, se emocionou. Mas ela tem hipertensão (está com 55 anos), e isso torna a gravidez de risco. Jamais colocaria minha mãe em risco. Quem vai fazer isso é minha irmã (Gabrielly, de 34), que se propôs a ser minha barriga de aluguel. Estou muito feliz. Quero parar minha vida para saborear cada momento, não só da gestação, mas dos primeiros anos da criança. E também pretendo adotar — diz ela, que tem uma outra irmã, de 42 anos, e cinco sobrinhos no total.
Atualmente, Gabriela namora Ipojucan Ícaro, que participou da edição de 2022 do “No limite“. Ela garante que, mesmo se estiver solteira aos 35 anos, vai tentar realizar o desejo:
— Ele também quer ser pai. Fizemos um ano juntos em novembro. Demos match no Tinder (aplicativo de relacionamentos) em 2017, mas não nos encontramos. Anos se passaram. Em 2022, ele fez uma participação em “Arcanjo renegado” (série do Globoplay em que ela atua) e nos reencontramos, mas eu namorava na época. Não teve nada. Eu terminei esse relacionamento depois, viajei para Salvador, e ele também estava indo para lá. Nos reconectamos. Em uma semana, ele me pediu em namoro. Eu, que sou emocionadíssima, aceitei. Estamos juntos desde então.
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