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Fãs de Justin Bieber completam três meses em fila para show do cantor no Rio

‘Não consigo dormir aqui”, afirma Jaqueline Castro, de 22 anos. As pessoas passam gritando, mandam todos irem trabalhar, tem gente que até xinga. “Mas ninguém tem nada a ver com nossa vida: paguei o ingresso com meu dinheiro”, diz a moradora de Guadalupe. E não foi barato: R$ 750 para ver Justin Bieber cantar.

Mais surpreendente que o valor do tíquete na pista premium, colada ao palco, é a disposição desse grupo para esperar o cantor canadense. Estão há pouco mais de 100 dias sob o Viaduto Trinta e Um de Março, próximo a um dos acessos da Marquês de Sapucaí.

Chegaram no dia 2 de novembro ao local da apresentação para garantir o melhor espaço, junto à grade que vai separar o astro pop de seus súditos. Haja paciência para esperar até 29 de março, dia do show.

— Fechei janeiro com 148 horas de acampamento — afirma Vitória Santos, de 17 anos, moradora de Rocha Miranda, que começou esta semana a trabalhar no setor administrativo de uma empresa no Centro. — Trabalho das 13h30 às 17h30 e, duas vezes por semana, durmo na porta do Sambódromo. São plantões de 12 horas.

MIL HORAS NA FILA

Entre lençóis, mochilas, baralho e dominó, com idades entre 15 e 25 anos, eles esperam. A maioria foi aos dois shows que Bieber fez no Rio, em 2011 e 2013, e muitos chegaram a acampar também para comprar ingressos, no lado de fora do Metropolitan. Parecem viver na pele aquele velho ditado: o melhor da festa é esperar por ela. Uma mulher os vê no chão, sonolentos, e oferece uma garrafa d’água:

— Moro aqui pertinho, posso trazer água gelada, querem? — diz Andrea Eliseu, de 34 anos, moradora do Estácio. — Já fui adolescente e sei como é isso. Também fiz minhas loucuras, mas nenhuma deste tipo.

Pela regra criada por eles mesmos, a posição na fila é proporcional à quantidade de horas que a pessoa ficou no acampamento. Tudo é anotado num caderninho. O estudante Mateus César, de 18 anos, sabe que será um dos primeiros. Ele já alcançou mais de mil horas na fila.

— Faço questão de estar aqui pelo menos cinco dias na semana — conta o rapaz, que mora com o namorado no Jardim América. — Ele não gostou no início, mas ameacei terminar o relacionamento, caso não aceitasse.

Quem não pode ir para a fila dá um jeito de marcar presença. Uma das meninas, que trabalha como babá a semana inteira, mandou a mãe em seu lugar.

— O que a gente não faz para ajudar um filho — disse a mãe, tímida.

Uma jovem de 19 anos prefere não se identificar, para preservar o emprego em um shopping da Zona Norte. Os patrões até sabem que ela passa três noites da semana no acampamento e, sem dormir, vai direto para o trabalho, mas reprovam a atitude.

— Sinto sono, mas nada que um balde de café não resolva — diz ela, que não pensa em desistir. — Não mesmo.

Como estão sob o viaduto, os jovens ficam abrigados tanto do sol quanto da chuva. Quando a sede bate, ou dá vontade de ir ao banheiro, pedem ajuda aos policiais do vizinho Batalhão de Choque, que nunca se negaram a atendê-los. Com a venda de ingressos para o carnaval, mudaram de calçada, atravessando a rua, mas ainda sob o viaduto.

— Uma vez jogaram uma garrafa de cerveja e acertaram minha perna. Todos nos julgam, ninguém se preocupa com a própria vida — diz Jaqueline, que perseguiu Bieber em sua última visita ao Rio e chegou a ficar pertinho do ídolo. — Quando fui fazer uma selfie, ele colocou a mão na frente. Nem gosto de olhar a foto porque fico triste. Cheguei tão perto, mas não consegui.

Não são poucos os que perguntam “como os pais permitem isso?” A mãe de Jaqueline responde:

— Preocupada eu fico, mas ela gosta mesmo desse garoto. Das outras vezes em que ele veio (2011 e 2013), também acampou com as amiguinhas. Ligo sempre. Peço a Deus que tome conta deles — afirma Haydeé de Castro, de 52 anos.

CASADA TAMBÉM AGUARDA

Quase todos os mais de 60 jovens, a maioria meninas, moram nas zonas Norte e Oeste. Tem até mulher casada à espera de Bieber: Rhomeika Medeiros, de 24 anos, moradora de Bangu.

— Eu tinha 16 anos quando comecei a gostar dele. Meu marido não gosta, mas entende — afirma Rhomeika, que tem a palavra “Purpose”, um dos sucessos do canadense, tatuada no braço. — Tenho meu trabalho e cuido bem da minha casa. Quando meu marido chega, o jantar está pronto. Só queria poder tocar no Justin para ver se ele é real.

Rhomeika, Jaqueline e Vitória falam do cantor como se fossem íntimas. Qual o dia do seu aniversário? “Primeiro de março”, respondem. Que instrumentos ele toca? Violão, guitarra, piano, trompete e bateria. Quantos irmãos? Dois. E os pais, são casados? Separados.

Quando querem tomar banho, há três opções: a pia do banheiro de um posto de combustíveis; a casa de um amigo, que mora perto; e um bar, onde pagam R$ 5 pelo chuveiro. O maior perigo que já viveram foi quando um carro desgovernado subiu a calçada onde eles costumavam ficar.

— Foi por muito pouco. Estávamos lá na noite anterior — lembra um dos jovens, aliviado.

Questionada sobre o que aprendeu nesse pouco mais de 100 dias, Jaqueline não pensa duas vezes:

— Aprendi que os moradores de rua são as melhores pessoas. São os únicos que não nos julgam.

 

Com informações de Oglobo.

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