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domingo, maio 19, 2024

Únicos do AM sem Covid-19, Envira e Ipixuna montam ‘barricadas’ contra a doença

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Uso obrigatório de máscaras, remessas de dinheiro que chegam aos bancos ‘mergulhados’ em produtos químicos dias antes de serem distribuídos nas agências, carros de som com orientações de higiene passando 12h por dia em ruas da zona urbana e rural, e até mesmo um hotel de quarentena. Estas são algumas das medidas adotadas por Envira e Ipixuna, os dois municípios do Amazonas que, ao menos até essa terça-feira (19), seguem como os únicos sem registros de casos positivos do novo coronavírus (Covid-19).

Com cerca de 20 mil habitantes cada, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), Ipixuna e Envira, distantes 1.177 e 1.367 quilômetros de Manaus, respectivamente, sustentam uma espécie de ‘zona livre’ da propagação em massa da doença no Sul do Amazonas que já atingiu 59 municípios no estado desde o início da contagem de casos feita pela Fundação de Vigilância em Saúde (FVS-AM), em 13 de março.

Os dois municípios podem ser considerados casos excepcionais no combate a doença no Amazonas, contrastando com todos os outros municípios que, a cada dia, registram mais casos e óbitos pela pandemia. Com os casos confirmados ontem (19) pela FVS, o interior do estado superou o número total de casos confirmados na capital amazonense. O cenário de avanço da pandemia preocupa inclusive os dois municípios que pretendem intensificar as medias que vêm dando certo até agora.

Barreiras contra o vírus

Sem decretar lockdown, fechando acessos ao município, ou definir restrição ampla de circulação nos centros urbanos, as prefeituras dos municípios criaram barreiras sanitárias nos rios que dão acesso às localidades, evitando ao máximo a chegada de pessoas contaminadas de municípios vizinhos, que vêm registrando aumento de casos nos últimos dias. Por telefone, o prefeito de Envira, Ivon Rates (PROS), credita o bom resultado à implantação massiva dessas barreiras sanitárias que, segundo ele, conseguiram manter o quadro de não infectados no município, até agora.

“Colocamos barreiras nos rios, conforme orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Nas barreiras, nossas equipes de saúde medem sinais vitais onde é possível detectar alterações na temperatura do corpo, que pode indicar febre, um dos sintomas de covid-19. Não decretamos lockdown, não agi como ‘xerife’, mas as barreiras sanitárias foram criadas para controlar o acesso e, principalmente, desinfectar mercadorias”, explica o prefeito. Ao menos 13 barreiras estão em funcionamento ao longo dos rios Taraucá e Envira, que atravessam o território e banham a cidade, sendo o principal meio de locomoção entre as comunidades ribeirinhas.

Entre as medidas adotadas em Envira, um mutirão organizado por diversas entidades políticas, órgãos oficiais e costureiras entregou máscaras direcionadas para cada um dos cerca de 20 mil habitantes do município. O uso obrigatório é previsto em decreto municipal, que na última semana teve sua validade ampliada até 15 de junho.

“Além disso (do mutirão das máscaras), nós somos o único município que obrigou os bancos a colocarem em quarentena o dinheiro pelo prazo de 5 dias, e só distribuir para o povo após esse prazo”, conta o prefeito.

Hotel quarentena

Em Ipixuna, um hotel foi alugado pela prefeitura para receber pessoas com sintomas da doença. Uma leve alteração na temperatura ou até mesmo tosse seca já são motivos para que os moradores procurem os postos de triagem dedicados ao covid-19. Caso seja necessária uma ‘internação’, os pacientes são levados para uma quarentena obrigatória em um hotel com 30 quartos mantido pela Secretaria de Saúde local.

“O hotel está fechado para esses pacientes em quarentena. Eles ficam isolados sob observação de profissionais de saúde. Pretendemos manter essa estrutura enquanto houver necessidade”, afirma a secretária Alcliene Lopes.

A divulgação em massa de recomendações de saúde contra a covid-19 também foi uma das estratégias utilizadas pela prefeitura de Ipixuna. Desde a decisão favorável do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu a autonomia dos prefeitos e governadores para decidir medidas contra a propagação do vírus a nível local, o executivo municipal decidiu ampliar as medidas de restrição e controle de mercadorias que chegam no município.

“A cada decreto publicado pela prefeitura, o texto é divulgado amplamente nas redes sociais, nos grupos, na rádio e no carro de som. A população tem aceitado muito bem as recomendações”, avalia a secretária. Uma das principais mensagens da prefeitura é que as pessoas saiam de casa em casos fora do comum, e se for preciso sair, que apenas uma pessoa saia para realizar compras e mantimentos.

O ‘risco mercado’

Apesar do cenário quase singular dos dois municípios do estado, a boa situação pode mudar a qualquer momento, conforme alertam autoridades locais e especialistas ouvidos pela reportagem de A Crítica. Um dos principais motivos de preocupação para as autoridades locais está ligada justamente ao que sustenta economicamente os municípios: o trânsito de pessoas e do mercado.

Ivon Rates, prefeito de Envira, relata que apesar de estar fora do circuito de picos registrados principalmente em Manaus no mês de abril, quando a capital foi manchete dos principais jornais do mundo após uma enxurrada de relatos sobre o caos no sistema funerário em decorrência da pandemia, a preocupação do executivo municipal se volta para o aumento do trânsito de pessoas na região de fronteira com o Acre.

Envira e Ipixuna mantém boa parte de seu poder econômico em decorrência dos serviços de acesso por terra oferecidos por Rio Branco. A capital do Acre fica localizada a menos de 372 quilômetros das sedes urbanas desses municípios em linha reta.

“Nós aqui temos intensa relação com o Acre, e temos como vizinhos os municípios de Fejió, Tarauacá, Cruzeiro do Sul e Rio Branco. Por ser uma região de produtos e vendas, temos diariamente uma grande relação de pessoas e municípios que estiveram em contato com o vírus. Considerando que os centros de referência também estavam superlotados sem ofertar acolhimento, a nossa solução é evitar que o vírus chegue, e se chegar, fazer com que ele não se alastre facilmente”, explicou.

Até ontem, a Secretaria de Saúde do Acre (Acresam) registrou 2.234 infectados e 846 mortos. Com 22.132 infectados e 1.219 mortos, o Amazonas ocupa 14 lugares acima do Acre no ranking de infectados no Brasil, que teve o pior dia desde o ínicio da pandemia, também nessa terça-feira (19), com mais de mil mortes.

Eco na ciência

A tática dos dois municípios de anteciparem medidas de isolamento, principalmente nos rios, criando protocolos próprios de saúde para enfrentar a onda de infectados, encontra eco em estudos científicos de especialistas. Ao analisarem a dinâmica da movimentação intensa nos rios, um grupo liderado por especialistas do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), em parceria com o Hidrogeo, traçam uma trajetória de movimentação baseada em dados de satélites fazem uma comparação com a velocidade do número de óbitos registrados oficialmente durante o período da pandemia no estado.

Em uma primeira fase, foram analisados dados de congestionamento do trânsito em Manaus que, conforme o estudo, produz um pico de mortes a cada 18 dias após o pico de movimentação intensa no trânsito. Em outra ponta, os dados de óbitos e confirmados dos outros municípios do AM foram analisados como indicador de uma onda se aproximando dos dois municípios que ainda não estão com casos confirmados: Envira e Ipixuna.

Para a professora da Ufam, Natacha Cíntia Regina Aleixo, uma das coordenadoras do estudo, o fenômeno detectado em Envira e Ipixuna pode ser devido às barreiras sanitárias e isolamento social, mas a pesquisadora lembra que o cenário pode ser alterado a qualquer momento. Conforme o estudo estudo ‘A cartografia dinâmica da COVID-19 no Amazonas, divulgado na última segunda-feira (18), as infecções e óbitos vêm obedecendo uma escala gradual de referências, sendo Manaus o centro epidêmico da Estado. Segundo a pesquisadora, o olhar dos municípios sem infectados deve se voltar para o fluxo intenso vindo principalmente do estado do Acre, pela proximidade com os municípios.

“Nesse primeiro momento não tivemos casos oficiais. Isso não quer dizer que não vá acontecer. Sabemos que mesmo com as medidas de isolamento social que impedem o fluxo de pessoas entre os municípios e o embarque de passageiros, a doença teve um crescimento muito rápido no estado e uma elevação de casos também. Então essas medidas não têm tido uma fiscalização tão eficiente em alguns locais, e a conscientização da população sobre isolamento social também precisa ser mais significativa, por isso é preciso de uma série de políticas, para que as pessoas entendam as necessidades de isolamento, pois, de acordo com os infectologistas é a medida mais segura pra gente conter o avanço da doença para conter a alta demanda que pode vir sobre os hospitais”, explica a pesquisadora.

“Temos que lembrar que esses municípios estão nessa área interestadual que pode favorecer uma mobilidade na difusão de doença com a entrada desses casos pela circulação das pessoas do Acre para a região do Amazonas. Região de fronteira a gente tem que ter um olhar bastante atento para o planejamento de medidas do Sistema Único de Saúde (SUS) para mitigar a ocorrência nessas localidades”, alerta.

‘Sufocados’

Enquanto a doença avança com aumento de casos confirmados em cidades ao redor, os municípios sem registro ficam ‘sufocados’ e correm contra o tempo para evitar o contágio em massa da população. Ontem (19), a Secretaria de Saúde do Amazonas (Susam) enviou um lote com materiais de proteção para os profissionais de saúde da região da calha do Juruá, onde ficam localizados os municípios.

Os gestores locais agora lutam para aumentar o estoque de testes rápidos, seja por meio do governo ou até mesmo aquisição própria. Em nota, a Susam afirmou que o município de Envira recebeu 780 testes rápidos 820 foram enviados para Ipixuna. Apesar da disponibilidade, ainda pode levar alguns dias até o material chegar nos postos de triagem.

Fonte: acritica.com

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