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sábado, outubro 5, 2024

Aos 80 anos, Difusora Acreana celebra trajetória de informação, entretenimento e trabalho social: ‘É o coração do nosso estado’

Por Redação O Juruá em Tempo.

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“A Difusora é o coração do nosso Acre, a mãe de todas as emissoras”, assim Elizeu Rodrigues de Almeida, de 88 anos, tenta resumir as oito décadas de história da rádio mais longeva do estado: a Difusora Acreana. Morador do Projeto Oriente, na Transacreana, zona rural de Rio Branco, ele relembra como esse meio de comunicação desempenhou um papel social importante para as comunidades no meio da floresta amazônica, cumprindo sua missão de ser a voz das selvas há 80 anos.

Fundada em 25 de agosto de 1944, a Rádio Difusora Acreana foi, por muitos anos, o único meio de comunicação, especialmente durante as décadas de 1940 e 1950, quando essas comunidades dependiam única e exclusivamente do rádio para saber não só das notícias do estado e do mundo, mas para ter acesso às informações de familiares.

Além de contar histórias e repassar notícias, a Difusora Acreana desempenhou um papel importante na área do entretenimento, e, acima de tudo, social, não só narrando as histórias, mas construindo uma narrativa que se confunde com a do povo acreano. Neste dia 25, data em que se celebra os 80 anos dessa rádio, vamos ouvir histórias de quem guardou na memória as vozes inconfundíveis que se faziam entender nas comunidades mais distantes. Um alcance que chega a mais de 700 comunidades de difícil acesso.

Elizeu não pretende desapegar do companheiro de muitos anos: o rádio. Foto: Marcos Vicentti/Secom

“Desde criança, quando eu ainda acompanhava meu pai cortando seringa, escuto a Difusora Acreana, que é mãe de todas as emissoras, ela quem manda em tudo. Amava as mensagens, os programas do J. Conde, Franco Silva e Jorge Cardoso. Muitas vezes fui para o programa do Franco Silva passar mensagens para o meu pessoal no projeto Oriente”, relembra Elizeu.

Sua memória mais pulsante é das datas comemorativas, inclusive da própria Difusora. “Quando era aniversário da rádio, eles informavam e tinha a programação especial em datas comemorativas, como Dia das Mães, dos Pais, dos Namorados, e o inesquecível Mundo Cão”, pontua bem humorado, ao afirmar que o rádio é seu fiel companheiro e que pretende ouvi-lo até o dia da sua morte. “Quando eu morrer, se quiser colocar o rádio na minha cova, pode colocar junto comigo”, disse.

Entre os imortalizados por suas vozes estão Campos Pereira, referência na crônica esportiva; Jorge Cardoso, à frente do Ritmo Rural; Franco Silva, embalando o Forró Cidade Sertão; J. Conde, que apresentava o Miscelânea Musical; Reginaldo Cordeiro, o famoso “Rei do Brega”, comandava o Carrossel Musical que levava centenas de pessoas ao estúdio da Difusora, que lotavam a área na frente do prédio e tinham a liberdade de falar nos microfones da rádio. Tem também o mais famoso, o Estevão Bimbi, com o programa Mundo Cão, e Nilda Dantas, a dama do rádio acreano, e que está no ar ainda hoje sendo a voz do povo.

Maria Alcinda lembra que foi pelo rádio que conseguiu ficar sabendo da morte do irmão. Foto: Marcos Vicentti/Secom

De colocação para colocação

Atualmente ir e voltar para a Transacreana, a 144 km do Centro de Rio Branco, é um trajeto feito em poucas horas. Porém, quando as estradas de seringas foram abertas naquela área, essa viagem durava alguns dias. Sem a facilidade da comunicação que hoje temos com o avanço da tecnologia, as mensagens da rádio enviadas aos seringais informavam a todos como foi uma viagem, se o problema foi resolvido e até se fazia pedido de entrega de dentadura.

Moradora da Colônia Capivara, Maria Alcinda Paiva, de 84 anos, ficou sabendo por um aviso na rádio que seu irmão havia morrido. Só assim ela teve tempo de ir ao velório e enterro. “A gente ficava sabendo de tudo pela rádio e fazia amizades. Jorge Cardoso é meu ‘cumpadi’, padrinho da minha filha. Naquela época só pela rádio que a gente recebia as notícias e quem não tinha rádio ia avisando aos outros”, relembra.

Aos 73 anos, Francisca das Graças de Oliveira relembra que ia muitas vezes à sede da Difusora Acreana para mandar recado àqueles que a aguardavam na cidade: “Eu ia lá na rádio passar um alô para o meu pessoal quando eu estava na cidade e até hoje eu escuto as notícias pela rádio”.

Ao longo da Transacreana são 1,5 mil famílias que ainda mantêm o hábito de ouvir as informações pelas ondas do rádio. Maria Jocilene Novais, de 54 anos, moradora da Colônia Capivara, nasceu em Feijó e se mudou para Rio Branco ainda na infância.

“Meu pai, de manhã cedo, ainda em Feijó, ligava o rádio antes de ir cortar a seringa. A gente só ouvia Difusora Acreana e todo mundo com rádio se comunicava rapidinho. A memória mais forte é que quando minha mãe adoeceu, no Seringal Bom Destino, meu pai foi pra rua e avisou que minha mãe havia falecido, e os familiares foram para lá. Essa é minha memória mais forte”, relembra.

Mas, há ainda lembranças boas musicais. Muitos cantores que hoje Maria Jocilene gosta, ela conheceu pela programação da Difusora Acreana: “Teixeirinha, Evaldo Freire, Reginaldo Rossi e Roberto Carlos. Todos eles conheci pela rádio. Faz parte da história de muita gente, porque quando a gente era criança os pais da gente já ouviam a Difusora, e isso era música boa. Naquele tempo era muito bom”.

Por muitos anos, apenas o rádio era a forma de se comunicar em algumas comunidades do estado. Foto: Marcos Vicentti/Secom

‘Mensageiros da Amazônia’ no Jô

De forma unânime, as memórias afetivas dos ouvintes estão guardadas por meio do programa “Correspondente Difusora”, que abria os microfones para a população. Era um programa feito pelo povo e para o povo, de forma a atender às demandas sociais e cumprindo seu papel democrático na área da comunicação. Foi esse elo com o público que fez o saudoso radialista Edmar Bezerra, ao lado do seu colega, Pedro Araújo, ter destaque nacional no programa “Jô Onze e Meia”, em 1997. Os dois arrancaram gargalhadas do apresentador e da plateia ao ler as mensagens que transmitiam, sendo os mensageiros de uma ponta a outra. Foi por meio de cartas que um dos apresentadores mais famosos do país ficou sabendo do programa acreano.

Na época, Edmar Bezerra revelou, ainda, que muitos iam até o programa em busca de uma companheira. “Muitas pessoas nos procuram em busca de uma mulher, anunciando a solteirice, dá as características, e, de repente, aparece. Aceitam mulher até três filhos e vivem em colônias distantes”, contou na época.

Durante todo o programa, os radialistas destacam os nomes das colocações e como era importante não mudar a linguagem das mensagens para que pudessem se fazer entender pelos seringueiros na época. Os avisos irreverentes e, em sua grande parte, até íntimos revelaram como era a comunicação no estado acreano.

Sebastião de Oliveira ficou sabendo, pela Difusora, que o homem tinha ido à lua. Na época, ele tinha 10 anos. Foto: Marcos Vicentti/Secom

O homem foi à lua

Nas andanças pela Transacreana, local de maior audiência da emissora, não era difícil ouvir que a Difusora Acreana não tinha fronteiras. O alcance era para além do território acreano, chegando a outros países. A prova disso está no acervo de cartas no museu da unidade, que reúne correspondências enviadas por ouvintes dos Estados Unidos, Rússia, Chile, Japão e Canadá.

Levando informações do Acre para o mundo e do mundo para quem estava no Acre acompanhando tudo pela frequência da rádio octogenária. “Neste 20 de julho, o homem chegou à lua” . Foi deitado em um banco de madeira após levar algumas quedas para tentar sintonizar o rádio, que ficava em uma parte alta da casa, que Sebastião Tavares de Oliveira, aos 10 anos, lá do Seringal Sacado, em Feijó, ficou sabendo da missão Apollo 11 da Nasa, que levou o homem à lua.

A notícia foi a que mais o marcou porque atiçou ainda mais a imaginação daquela criança, que, em meio à Amazônia, soube que o Acre não era longe, a lua talvez, mas o homem tinha chegado até ela naquele dia. Hoje, aos 65 anos, ainda é possível acessar aquele garoto em seus olhos enquanto ele conta a história, entusiasmado.

O hábito de ouvir a rádio, segundo ele, foi passado pelo pai, que morreu aos 104 anos, sendo um ouvinte assíduo. “Uma coisa que me marcou muito foi a notícia do homem indo à lua. Lembro de estar deitado e ouvir aquilo. Eu pegava muita queda para sintonizar, porque meu pai colocava o rádio alto e eu subia para ligar na Difusora”, relembra.

Os nomes dos seringais que ouvia no programa na Difusora Acreana também o acompanharam ao decorrer de sua vida e, anos depois, agora morador do Ramal Jarinal, pôde conhecer os locais que ouvia pelas vozes dos mensageiros da Amazônia. “A rádio faz parte da história desses seringais, porque, realmente, quando eu escutava os nomes desses locais não imaginei que um dia ia conhecer todos eles”, contou.

Manoel da Silva, aos 63 anos, escuta o rádio enquanto cumpre os afazeres de casa. Para ele, não há melhor meio de comunicação, mesmo com tantos avanços nessa área. “Escuto desde que tinha 10 anos, desde menino, quando gostava de ouvir as mensagens e as notícias. Aqui era estrada de seringa, então era como a gente tinha contato com o mundo”, completa.

Manoel da Silva não perdia as mensagens transmitidas pela rádio. Foto: Marcos Vicentti/Secom

Herança cultural e memória afetiva

É difícil encontrar um acreano que não tenha uma boa história com a Rádio Difusora. Com uma programação voltada para as comunidades, a história da emissora é contada em cada memória afetiva dos ouvintes. Muitos fazem uma pausa saudosa antes de contar uma história e terminam com um sorriso nostálgico dos bons tempos em que a “voz das selvas” era o único telefone de muitos.

Maria das Graças de Lima, de 67 anos, conta que aos três anos foi morar em Plácido de Castro e a única maneira que os pais tinham de manter contato com os familiares era pelo rádio, porque toda a família morava em Rio Branco.

“Meu pai não perdia por nada desse mundo as mensagens. O único meio de se comunicar era a Difusora. A estrada era muito ruim, os caminhões passavam dias e dias e meu pai ficava ligado direto para ouvir as mensagens dos parentes. Quando o pai dele ficou doente, passaram uma mensagem informando que não tinha nenhum caminhão para levá-lo, então ele colocou a roupa na mochila e foi andando. Passou três dias, caminhava de dia e à noite dormia nas casas, na beira da estrada. E foi assim que ele ainda conseguiu ver o pai dele com vida”, relata.

Ouvintes relatam com carinho história com a Difusora Acreana. Foto: Marcos Vicentti/Secom

Outra lembrança que ela tem da Difusora é sobre as melodias. Ao falar sobre as músicas, ela lembra de um casal vizinho que adorava dançar as músicas transmitidas na época. “Não esqueço nunca da imagem deles dois dançando, porque esperavam o horário das melodias para dançar e ficavam assim até o fim do programa”, revela. E, atualmente, ela ainda mantém contato com alguns ouvintes pelos próprios programas. Sem conhecer pessoalmente, no seu ciclo de amizade está quem divide a paixão pela rádio. “Até hoje eu passo alô para os ouvintes”, completa.

Sobre os 80 anos da Difusora, o que mais precisa ser enaltecido nessa trajetória, segundo ela, é o serviço social prestado à população, oferecendo as condições para algo básico da cidadania: comunicar-se. “Quero parabenizar a rádio Difusora pelos 80 anos, uma rádio de muita serventia, uma rádio dos pobres, daqueles que ficam nos locais bem longe, que não têm acesso à cidade e que, por meio da Difusora, ficam se atualizando, porque sabemos que hoje a tecnologia foi longe demais, mas a Difusora chega mais longe ainda. E eu mesma tenho um rádio que fica do lado da minha pia e quando vou lá pra trás da casa, levo ele também, pra não perder nada”, ressaltou.

Maria das Graças ainda escuta diariamente a Difusora Acreana. Foto: cedida

Ouvir rádio foi hábito que Dira Brasil herdou dos pais ainda criança. Hoje, aos 70 anos, ela mora em Rio Branco, mas morava em Tarauacá, época em que começou a ouvir o programa Espaço do Povo, comandado por Nilda Dantas.

“O que mais me encanta na rádio são os funcionários que trabalham nela, porque nunca deixam de dar ouvidos às pessoas que buscam informação e até encontrar seus familiares, porque era muito comum as famílias se reencontrarem por meio das mensagens da rádio. É muito grande a importância da Difusora, de ondas longas que chegam até as colônias, seringais, ribeirinhos e informam os fatos a todos. Até hoje escuto todos os acontecimentos da Rádio Difusora Acreana”, enfatizou.

Luciane de Carvalho Silva é de Sena Madureira. Começou a ouvir a rádio devido à programação evangélica que tinha em sua grade, um programa infantil apresentado pela irmã dela, Lucinaira Silva, conhecida como tia Naira.

“O meu programa favorito ainda é a hora das notícias, porque quem é dona de casa não tem como ficar com o celular na mão, mas quando estamos com o rádio, estamos ouvindo as notícias enquanto lavamos a roupa, arrumamos a casa e fazemos a comida. Na minha visão, o rádio, independente de outros meios tecnológicos, continua sempre em primeiro lugar,  porque tem muita gente distante da cidade que não tem luz, e no rádio basta uma pilha para você conseguir saber das notícias. Ainda temos o programa de aviso da cidade para o interior, e todos os dias ainda escuto. Quero parabenizar pelos 80 anos da Rádio Difusora Acreana. Nós precisamos de você e você precisa de nós”, enfatiza ao dizer que atualmente o seu filho também é locutor da rádio em Sena Madureira, demonstrando que a rádio faz parte da história da família.

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